Crime de perseguição (stalking) – art. 147-A, do CP

Lei 14.132/2021 – Inovação legislativa: crime de perseguição

Foi sancionada a Lei nº 14.132/2021, que adicionou ao Código Penal (CP) o art. 147-A, que passou a tratar como conduta típica o chamado “crime de perseguição”, além de revogar o artigo 65, da LCP (Lei das Contravenções Penais).

A Lei nº 14.131/202 possui apenas 04 (quatro) artigos, possui impacto relevante, pois, como dito acima, instituiu um novo tipo penal. A lei passou a vigorar desde a sua publicação (art. 4 da Lei 14.132/2021).

crime de perseguição

1. Sobre o crime de stalking:

A Lei nº 14.131/2021 reconheceu como típica a atitude de “perseguir”. Não é de hoje que se debatia a criminalização da ação denominada como “stalking”, ou seja, perseguir, possuir comportamento obcecado, obsessivo e compulsivo em relação a alguém.

Essa ideia de perseguição compulsiva ganha notoriedade em casos de famosos, que são constantemente assediados por fãs cujo comportamento extrapola qualquer limite de razoabilidade.

Porém, apesar de ser uma ação rotineiramente associada ao “fã obsessivo”, é extremamente fácil encontrar situações semelhantes entre pessoas comuns, sobretudo entre ex-namorados e/ou ex-esposos (obs.: sim, normalmente são os homens que possuem comportamentos assim, mas nada obsta que uma mulher também tenha).

Portanto, o stalking pode ser resumido a um comportamento obsessivo de perseguir o seu objeto obsessão (no caso a pessoa perseguida). Apesar disso, perseguir (entenda-se como procurar estar nos mesmos locais, ligar excessivamente, mandar mensagens ou de algum modo “rodear” a vida da outra pessoa) não era crime, por si só.

Claro que nesse frenesi de “perseguição” poderia ocorrer o cometimento de algum outro crime, mas a perseguição, por si só, não era considerado crime. Podendo, em tese, se amoldar a conduta descrita no art. 65 da LCP (debaremos melhor logo mais).

Ante tal situação, o considerando a relevância dos bens jurídicos envolvidos (liberdade, privacidade e intimidade, por exemplo), resolveu tipificar como crime o ato de “perseguir alguém”, conforme s verifica no recentíssimo art. 147-A do CP. Vejamos:

2. Fundamento legal do crime de perseguição – art. 147-A do CP

art. 147-A do CP

A redação legal do art. 147-A do CP possui diversos elementos que merecem destaque e o devido cuidado na hora de se interpretar a norma penal. Vejamos o texto legal do art. 147-A do CP.

Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.

Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

§ 1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido:

I – contra criança, adolescente ou idoso;

II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código;

III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.

§ 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.

§ 3º Somente se procede mediante representação.”

3. Elementos do crime de perseguição

De imediato, é possível notar que o verbo nuclear do tipo penal é “perseguir alguém”, seguidos dos elementos subjetivos “reiteradamente”, “por qualquer meio”, “ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica ou capacidade de locomoção”, ou agindo, ainda, “de qualquer forma”, de modo que venha a “invadir” ou “perturbar” a “liberdade” ou “privacidade”

Temos que entender que a palavra-chave é “perseguir”, pronto, o primeiro passo é entender que o agente delitivo deve atuar no sentido de “perseguir” o(a) ofendido(a), porém essa prática deve ser “reiterada”, não bastando que seja algo eventual ou esporádico.

E mais, a perseguição reiterada, pode ser praticada pessoalmente ou através de recurso eletrônico (e-mail, Apps de mensagem, chats, comentários em redes sociais e outros), enfim, qualquer meio, devendo que a perseguição reiterada seja capaz de trazer ameaça a “integridade física ou psicológica” da vítima ou mesmo a sua “capacidade de locomoção”.

O delito de perseguição também se consuma quando a conduta seja capaz de, “qualquer forma”, ofender a liberdade ou privacidade da vítima.

3.1 Pena máxima do crime de perseguição e causas de aumento

A pena máxima para o delito de perseguição em sua forma simples será de, no mínimo, 06 (seis) meses e no máximo 02 (dois) anos. Porém, o § 1º, do art. 147-A do CP também trouxe hipóteses de AUMENTO de pena (sendo causa de aumento de pena, recairá na terceira fase da dosimetria da pena). São três hipóteses em que a pena será aumentada. Vejamos:

    • Se praticado em face de criança, adolescente ou idoso;

    • Se perpetrado em face de mulher por razões ou razões de gênero ou condição de sexo feminino

    • Quando praticado por 02 (duas) ou mais pessoas ou com utilização de arma.

Em qualquer das hipóteses acima, a aumenta será aumentada de metade. Nesse caso, a pena máxima possível é de 03 (três) anos.

3.2 Concurso de crimes – § 2º, do art. 147-A do CP:

Art. 147-A, do CP: […] § 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.”

O § 2º, do art. 147-A do CP, determina que as penas previstas no referido tipo penal são plenamente cumuláveis com crimes eventualmente praticados em conjunto, como por exemplo, ameaça, lesão corporal, injúria, calúnia, difamação e outros.

Pode ser que o perseguidor não pratique qualquer delito além da perseguição, sendo, contudo, possível que o crime de perseguição (stalking) seja acompanhando de outros delitos (injúria, por exemplo).

4. Revogação do art. 65 da LCP?

A Lei das Contravenções Penais (Lei nº 3.688/41) possui o art. 65, com o seguinte texto legal:

Art. 65. Molestar alguem ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovavel: (Revogado pela Lei nº 14.132, de 2021)

Pena – prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.”

Porém, o art. 3º, da Lei 14.132/2021 revogou expressamente o art. 65 da LCP. Mas pergunta-se: ocorreu o abolitio criminis? Particularmente, entendemos que sim, de acordo com o contexto e no que for incompatível com o art. 147-A, caso contrário será hipótese de aplicação do princípio da continuidade normativa-típica. Vamos explicar.

O art. 147-A do CP possui redação diversa e muito mais abrangente do que do revogado art. 65 da LCP. Assim sendo, caso o agente tenha praticado a conduta descrita no art. 65 da LCP (antes de sua revogação) e aqueles fatos também se encaixem na conduta descrita no art. 147-A do CP, o processo continuará e se ao final for condenado receberá a pena correspondente ao do art. 65 da LCP.

Não sendo essa a hipótese, os fatos apurados serão atípicos em razão de bolitio criminis. Muito cuidado com o contexto dos fatos.

5. Ação penal no crime de stalking

O § 3º, do art. 147-A do CP, estabelece que nos casos do crime de perseguição (stalking) a ação se procederá mediante representação (veja nosso post sobre o tema). Desse modo, o art. 100, § 1º e art. 103, ambos do CP, determinam que o agente, na Ação Penal Pública condicionada a representação, terá o prazo de 06 (seis) meses para representar, sob pena de decadência do direito.

Portanto, ciente de quem é o autor do fato criminoso, o ofendido terá o prazo de 06 (meses) para que proceda com a representação. Feita a representação, será possível a retratação até o oferecimento da denúncia (art. 102 do CP).

 

5. Lei Maria da Penha e o crime de perseguição (art. 147-A do CP)

A Lei Maria da Penha entende como violência contra a mulher a física, psicológica, sexual patrimonial e moral (art. 7º da Lei Maria da Penha).

Não existe uma norma penal que defina como crime a apenas a prática de violência psicológica. Porém, com o novo tipo penal é possível que sua prática se perfectibilize com a utilização de violência psicológica.

O legislador reconheceu como causa de aumento de pena a prática do delito em face de mulher quando fundada em razão de gênero ou por motivos de ser do sexo feminino. Entendemos, portanto, que nesse contexto, embora não tenha constado de forma expressa, se aplica a Lei Maria da Penha, pois há referência à prática de feminicídio (inciso II, § 1º, do art. 147-A, do CP), que por sua vez remete ao Lei Maria da Penha.

Qual a consequência disso? Basicamente, a vedação da transação penal ou suspensão do processo, conforme Súmula 536 do STJ, bem como a vedação da conversão da pena de reclusão em penas restritivas de direitos de pagamento de cestas básicas, prestação pecuniária ou ao pagamento de multa de forma isolada, conforme art. 17 da Lei Maria da Penha

Súmula 536, do STJ – “A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha. (Súmula 536, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/06/2015, DJe 15/06/2015).”

Art. 17, da Lei Maria da Penha: “É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.”

Muito provavelmente, os Tribunais Superiores deverão se manifestar sobre o tema em breve. Estaremos atentos.

Veja mais posts em:

Confissão no direito penal e processual penal

O que é tráfico privilegiado? Art. 33, § 4º, da Lei 11.343

Súmula 567 do STJ: câmera de vigilância e furto impossível

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