Tudo sobre gratuidade da justiça – art. 98, do CPC/15

1 – Sobre a gratuidade da justiça:

gratuidade da justiça

Se tem algo que é rotina na prática forense é o pedido de gratuidade da justiça, inerente a gratuidade da justiça.

Antes da Lei 13.105/2015 (Código de Processo Civil – CPC/15), a concessão de tal benesse era regulamentada pela Lei 1060/1950, que foi revogada em sua quase totalidade pelo CPC/15.

Atualmente, alguns artigos da antiga norma continuam em vigor (veja aqui).

Sobre a gratuidade da justiça, é sabido que a nossa Constituição Federal possui uma série de direitos que são tidos como fundamentais, como, por exemplo, o direito a vida, a propriedade e a igualdade (formal e material), além de outros que podem ser encontrados em todo o texto constitucional, principalmente no art. 5º, da CF/88.

2 – Inafastabilidade da tutela jurisdicional (inciso XXXV, art. 5º, da CF/88):

Um desses direitos é o da inafastabilidade da tutela jurisdicional (inciso XXXV, art. 5º, da CF/88), que é, basicamente, o direito que o indivíduo tem de ter sua demanda apreciada pelo poder judiciário, mesmo que seja para “ouvir” que não tem direito (veja mais sobre jurisdição).

Para isso, muitas das vezes se faz necessário o dispêndio pelo requerente de valores que podem pesar no bolso.

2.1 – Custas e taxas processuaisprecisamos falar um pouco sobre para melhor compreensão.

Os tribunais possuem taxas e custas que precisam ser recolhidas para dar andamento do processo, afinal existe todo um custo operacional que não pode ser custeado inteiramente pelo Estado.

Cada tribunal possui uma tabela de valores que podem ser cobrados em determinados tipos de procedimentos ou ações. Os valores podem variar de acordo com o valor da causa ou tipo de procedimento.

Claro que o objetivo da cobrança é garantir a continuidade da prestação do serviço público, devendo sempre que haja proporcionalidade e razoabilidade nos valores, afinal, a intenção não é lucrar, mas sim o exercício jurisdicional para a resolução da lide.

Portanto, comumente, os tribunais possuem valores mínimos e máximos que podem ser cobrados. Para saber mais, você pode consultar a tabela de custas de cada tribunal.

3 – De volta ao princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional…

Como visto acima, no processo existem custas e taxas que precisam serem recolhidos, sem falar nos honorários de sucumbência (veja nosso artigo sobre honorários), mas isso é assunto para outro momento.

Enfim, o que acontece se a parte não possuir condições financeiras de arcar com as custas e taxas?

Pois bem, o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional é direito fundamental e, como tal, não poderia ser embargado pela ausência de condições financeiras do peticionante.

Se assim o fosse, pouquíssimas pessoas teriam acesso ao judiciário e, por consequência, a efetivação de seus direitos.

Então, o como resolver esse problema? A resposta para essa pergunta está na própria constituição. Veja a baixo.

4 – Compete ao Estado prestar assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados (inciso LXXIV, do art. 5º, da CF/88).

Constituição deve ser interpretada de modo harmônico, pois seus dispositivos se complementam.

A Constituição diz que o judiciário não pode se eximir de apreciar “lesão ou ameaça e direito” (inciso XXXV, art. 5º), ao mesmo tempo é que afirma que o Estado garantirá a assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados (inciso LXXIV, art. 5º). Vejamos:

XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito

[…]

LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;”

Portanto, após uma leitura rápida é perfeitamente assimilável que todos tem direito de acesso ao judiciário e se a ausência de recursos financeiros for óbice a concretização desse direito, competirá ao Estado promover e custear tal acesso.

5 – Gratuidade da justiça x assistência jurídica:

Feita toda essa introdução, também se mostra necessário fazer a diferenciação entre gratuidade da justiça e assistência jurídica gratuita. Sim, não são a mesma coisa.

A gratuidade da justiça, de acordo com a doutrina mais abalizada, a “assistência judiciária” (Donizetti, 2016. p. 275) devendo ser entendida de modo mais amplo, sendo, nesse caso, como gênero que compreende a assistência jurídica (em sentido estrito) e gratuidade judiciária (gratuidade da justiça).

5.1 – Assistência jurídica:

Como vimos, assistência jurídica e gratuidade da justiça, embora semelhantes, são coisas distintas.

A assistência jurídica, de modo bem simples, se materializa na hipótese em que o jurisdicionado não possui condições financeiras de arcar com os honorários contratuais do Advogado e o Estado, por meio das Defensorias Públicas ou por Advogado dativo nomeado para atuar no feito, promove a assistência técnica e jurídica para concretizar o acesso ao judiciário pelo hipossuficiente (Donizetti, 2016. p. 275/276).

Vejamos:

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014)

A legislação infraconstitucional também prevê algumas outras hipóteses específicas e/ou complementares de assistência judiciária (ex.: inciso III, art. 9, da Lei Maria da Penha. Leia mais sobre: aqui e aqui).

6 – Gratuidade da justiça:

Por fim, a gratuidade da justiça seria a situação em que o Magistrado, após verificar o preenchimento dos requisitos legais, suspende a necessidade (“exigibilidade”) de cobrança e recolhimentos de “custas, despesas processuais e honorários advocatícios”, conforme § 1º, do art. 98, do CPC/15.

Vejamos:

Aspectos gerais sobre gratuidade da justiça

Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.

§ 1º A gratuidade da justiça compreende:

I – as taxas ou as custas judiciais;

II – os selos postais;

III – as despesas com publicação na imprensa oficial, dispensando-se a publicação em outros meios;

IV – a indenização devida à testemunha que, quando empregada, receberá do empregador salário integral, como se em serviço estivesse;

V – as despesas com a realização de exame de código genético – DNA e de outros exames considerados essenciais;

VI – os honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira;

VII – o custo com a elaboração de memória de cálculo, quando exigida para instauração da execução;

VIII – os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, para propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório;

IX – os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido.

7 – A gratuidade da justiça tem prazo de “validade”?

É preciso ter muito cuidado, pois a gratuidade da justiça não significa dizer que ocorre a isenção das despesas processuais.

Na verdade, ocorre uma espécie de “suspensão de exigibilidade”, conforme §§ 2º e 3º, do art. 98, do CPC/15, podendo que, no caso concreto, no prazo máximo de cinco anos após o trânsito em julgado, caso a condição do beneficiário tenha mudado, ocorra a cobrança das obrigações.

8 – Quem pode ser beneficiado com a justiça gratuita?

A resposta para essa pergunta pode ser extraída do caput do art. 98, do CPC/15 (já transcrito acima), que afirma ser possível a concessão da gratuidade da justiça a pessoa natural ou jurídica, podendo ser brasileira ou estrangeira.

Assim, preenchidos os requisitos, autor, réu ou terceiro, seja pessoa natural ou jurídica, estrangeiro ou não, pode ser beneficiado com a gratuidade da justiça, nos termos do art. 98, do CPC/15.

9 – Quando pedir a gratuidade da justiça?

Conforme leitura exarada do art. 99, do CPC/15 e seus parágrafos, a gratuidade pode ser deferida a qualquer momento, desde que verificada a situação de hipossuficiência.

Contudo, é importante que se observe os momentos processuais adequados, sabendo que, sendo autor, o pedido deve ser formulado na inicial e, quando réu, o pedido deve ser formalizado na contestação.

No caso de terceiro interessado, na petição dei ingresso (art. 99, CPC/15).

Ainda de acordo com o art. 99, do CPC/15, também é possível que o pedido seja formulado em sede de recurso.

Como dito, o pedido pode ser formulado a qualquer tempo quando superveniente a situação de hipossuficiência, bastando que o pedido seja feito por petição simples.

No nosso entender, é possível que esse pedido seja formulado em audiência, nada impede. Porém é sempre bom seguir as formalidades prescritas.

10 – Critérios para concessão da gratuidade e declaração de hipossuficiência:

Conforme leitura dos tópicos anteriores, depreende-se que o critério legal para a concessão da gratuidade da justiça é a situação de hipossuficiência financeira. Mas afinal, o que seria essa tal hipossuficiência?

10.1 – Conceito doutrinário:

Daniel Amorim (2018, p. 298), por exemplo, entende que a lei não trouxe um conceito legal para a situação de hipossuficiência. Ainda de acordo com Daniel Amorim (2018, p. 298), a hipossuficiência, seria situação de “sacrifício” da renda da parte e/ou de sua família, de modo a atingir sua “manutenção”.

10.2 – Voltando aos critérios…

Não obstante, o § 3º, do art. 99, do CPC/15, entende que a declaração de hipossuficiência, quando feita por pessoa natural, deve ser entendida como verdadeira.

Portanto, ausentes conceito legal de hipossuficiência e sendo a declaração feita por pessoa natural presumivelmente verdadeira, podemos inferir que basta que a parte junte declaração de necessidade de concessão da gratuidade.

É importante destacar que a declaração é pessoal (§ 6º, art. 99, CPC/15), devendo que cada parte que se entenda como merecedora da gratuidade preste declaração individual.

11 – Juiz pode indeferir a gratuidade de ofício?

Sim, pode. Porém, somente deve fazê-lo quando existir prova nos autos que sustente o indeferimento, podendo, também, solicitar documentos e diligências para que se faça prova do preenchimento dos requisitos (§ 2º, art. 99, CPC/15).

Esse indeferimento de ofício é muito comum em ações de inventário e divórcio quando os bens informados nos autos possuem valores consideráveis.

12 – Pessoa jurídica pode ser beneficiada com a gratuidade da justiça?

Sim. A referida pergunta já foi respondida no tópico “Quem pode ser beneficiado com a justiça gratuita?”, pois, conforme art. 98, do CPC/15, é possível.

Porém, é importante frisar que, diferente da pessoa natural, a declaração de hipossuficiência prestada por pessoa jurídica deve ser acompanhada de documentos que demostrem, de forma objetiva, a necessidade de concessão do beneficio.

12.1 – A parte com advogado particular pode ser beneficiada com a gratuidade da justiça?

Sim! Essa era uma dúvida que ressoava bastante quando da vigência do CPC de 1973, pois não havia previsão expressa.

A jurisprudência da época já era firme no sentido de ser possível, porém, vez ou outra, era possível se deparar com decisões no sentido de não concessão com base nesse argumento ou mesmo agravos e apelações questionando a concessão exclusivamente com base nesse fundamento.

Dito isso, o legislador acabou que inserindo, expressamente, que § 4º, art. 99: A assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça”.

13 – Impugnação da concessão da gratuidade da justiça:

pedido de gratuidade da justiça

Essa parte pode parecer um pouco confusa, por isso tentaremos simplificar o máximo possível:

13.1 – Da decisão que concede a gratuidade ao autor:

O autor formula o pedido na inicial, sendo este deferido pelo Magistrado no despacho inicial. Nesse caso, poderá o réu, em preliminar de contestação (inciso XIII, art. 337, CPC/15) questionar a concessão, conforme dispõe art. 100, do CPC/15.

13.2 – Pedido de concessão da gratuidade feito na contestação:

Réu foi citado, apresentou contestação e requereu a concessão de gratuidade. O autor, não concordando, poderá requerer a não concessão na réplica, no prazo de 15 dias art. 100, do CPC/15.

13.3 – Pedido de gratuidade feito no curso do processo ou por terceiro interessado:

Como se sabe, o juiz mandará que a parte interessada, através de petição simples, se manifeste, no prazo de 15 (quinze) dias, sobre a concessão ou não da gratuidade art. 100, do CPC/15.

13.4 – Se o pedido foi feito em sede de recurso:

Se o recorrente solicitou a gratuidade em sede de recurso, o recorrido deverá questionar sua concessão nas contrarrazões, conforme art. 100, do CPC/15.

Bem, o artigo não fala sobre a hipótese em que o recorrido também roga pela gratuidade. Nessa situação, entendemos que o relator deverá intimar o recorrente para se manifestar.

14 – Recurso contra a decisão que indefere a gratuidade ou da que revoga a sua concessão:

Aqui teremos dois tipos de recursos. Se a concessão/revogação foi feita no curso do processo, caberá agravo de instrumento art. 101 e art. 1.015, inciso V, ambos do CPC/15.

Se a concessão/revogação ocorreu na sentença, caberá apelação (art. 101, CPC/15).

A legislação é omissa quanto a situação em que o réu/autor, que não concorda com a decisão de concessão, pugna pela sua revogação e o juiz nega o pedido de revogação, mantendo a gratuidade.

Bem, nesse caso, entendemos que a questão poderá ser arguida em preliminar de alegações finais e, caso o juiz ainda assim mantenha a gratuidade, a questão deverá ser objeto de preliminar de apelação.

14.1 – Não poderia ser objeto de agravo de instrumento?

No que diz respeito ao recurso de agravo de instrumento, vigora a teoria da taxatividade mitigada que é, basicamente, a tese de que o rol do art. 1.015, do CPC/15 é taxativo, porém, diante de situações semelhantes, este poderia ser flexibilizado.

Desse modo, pode ser que no caso concreto seja concedido se o tribunal entender que haveria prejuízo ou que a questão ali envolvida é relevante.

15 – Nota pessoal:

Quando resolvi escrever sobre gratuidade da justiça não imaginei que ficaria tão extenso.

Ocorre que enquanto escrevia mais e mais questões surgiam e não vi sentido em dividir o tema em outros artigos. Muito obrigado por ter lido até aqui, sua visita é de grande importância.

Fontes:

Donizetti, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. – 19. ed. revisada e completamente reformulada conforme o Novo CPC. – São Paulo: Atlas, 2016.

Neves, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. – 10ª ed. revista, ampliada e atualizada. – Salvador/BA: Juspodivm, 2018.

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