1 – Gato de energia: quais tipos penais são cabíveis?
Uma prática antiga e bastante reprovável em nosso cotidiano se trata do ilícito conhecido como “gato de energia”. Conforme o caso, o “gato” poderá ter consequências jurídicas penais diversas, isto é, de acordo com a situação e a relação jurídica existente, o “gato de energia” poderá configurar o crime de “furto de energia” ou o “crime de estelionato”.
O “gato de energia” consiste no emprego de meios e artifícios com objetivo de burlar o contador de energia, seja a alterando o aparelho ou mesmo desviando a energia elétrica.
Portanto, a depender do caso e da relação jurídica preexistente, o “gato” poderá ser furto de energia – art. 154, § 3º, do Código Penal (CP) ou o crime de estelionato – art. 171 do Código Penal.
2 – Sobre o crime de furto de energia – art. 155 do CP
O crime de furto está tipificado no art. 155 do CP. Vejamos:
“Art. 155 – Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.”
Portanto, o tipo penal transcrito acima traz como típica a conduta de “subtrair” coisa alheia móvel “para si ou para outrem”.
Mas energia pode ser considerado como “coisa alheira móvel”? Por força de lei, sim. O § 3º, do art. 155 do CP, equipara como “coisa móvel” a anergia elétrica. Veja:
“Art. 155 […]
§ 3º – Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.”
Note que o próprio § 3º, do art. 155 do CP, se preocupa em também igualar “qualquer outra” (no caso, energia) que possa ser convertida em proveito econômico ou em si possua valor pecuniário.
Desse modo, energia para fins de equiparação, pode ser tudo aquilo que agregue valor econômico.
Particularmente, acreditamos que se o Código Penal fosse reformulado o crime de “furto de energia elétrica” seria apenas crime de “furto de energia”, sendo o termo energia empregado em seu amplo contexto e desde que reduzível a valor econômico
Conforme exposto, a energia elétrica pode ser furtada, constituindo, portanto, coisa alheia móvel para fins do art. 155, § 3º, do CP.
3 – Sobre o crime de estelionato – art. 171 do CP
Quanto ao crime de estelionato, este encontra-se previsto no art. 171 do CP. Vejamos:
“Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis. (Vide Lei nº 7.209, de 1984)”
No delito de estelionato, ao contrário do que ocorre no delito de furto, não há a ação no sentido de “subtrair” bem do tipo “coisa alheia móvel”, mas sim o emprego de “artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento” para induzir ou mesmo manter a vítima em erro, causando-lhe prejuízo.
Obs: Saliente-se que após o pacote anticrime, o delito de estelionato possui como condição de procedibilidade a necessidade de representação, exceto nas hipóteses do § 5º, do art. 171 do CP.
4 – Quando será furto e quando será estelionato?
Feita tal introdução, pergunta-se: sempre que o “gato de energia” acarretará em crime de furto?
Não, também será possível que, conforme a situação fática, reste configurado o crime de estelionato.
Normalmente o “gato” configurará o crime de furto, sendo, também, possível a ocorrência do art. 171 do CP (estelionato). Mas em quais hipóteses? Vejamos:
4.1 – “Gato de energia” como o crime de furto de energia:
Imagine que “A”, fez uma ligação “direta” de determinado ponto de energia para a sua casa/comércio, ou seja, sem passar por qualquer sistema de medição, estaremos diante de um furto de energia, nos moldes do art. 155, § 3º, do CP.
Sendo possível, ainda, a ocorrência de furto de energia mediante fraude, isto é, quando determinado agente emprega e/ou se utiliza de meios fraudulentos objetivando reduzir o grau de cautela e vigia da vítima, que diverge do crime de estelionato, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ (AREsp 1418119/DF, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 07/05/2019, DJe 13/05/2019).
Por fim, atente-se que o pagamento do débito resultante do furto de energia não constitui causa extintiva de punibilidade1, podendo, porém, constituir arrependimento posterior (art. 16 do CP) ou atenuante de pena (art. 65, inciso III, “b”, do CP), conforme o momento da reparação do dano.
4.2 – E quando o “gato de energia” deixa de ser “furto de energia” e passa a ser estelionato?
O STJ entende que na situação em que o indivíduo que ADULTERA o “sistema de medição” com o fito de que o resultado final seja menor do que o consumo verdadeiro, isto é, real. Vejamos.
“A alteração do sistema de medição, mediante fraude, para que aponte resultado menor do que o real consumo de energia elétrica configura estelionato. (STJ. AREsp 1.418.119-DF, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 07/05/2019, DJe 13/05/2019)”
Assim, o indivíduo que possui um vínculo contratual e paga pelo consumo, porém, de modo fraudulento, altera o “sistema de medição” para fins de se fazer com que o valor final seja inferior ao valor real.
Ainda é um tema controverso, mas que vale bastante a pena de conferir e, no caso concreto, pode fazer bastante diferença.
E mais, é preciso ficar atento para conseguir diferenciar furto de energia, furto de energia mediante fraude e estelionato tendo como objetivo a “obtenção” de “vantagem ilícita” no pagamento de menor valor.
5 – Qual a pena do “gato de energia”?
O ilícito conhecido como “gato” pode configurar o delito de furto, crime de furto mediante fraude ou mesmo o crime de estelionato, conforme a situação concreta.
A depender da capitulação devidamente apurada, eventual sentença condenatória poderá cominar uma pena final em 01 (um ano) – furto simples e caput do crime de estelionato – ou mesmo 08 (oito) anos – em caso de furto qualificado, isso se considerarmos que o crime foi consumado.
6 – É possível a tentativa de furto de energia?
Existindo a possibilidade de fracionamento do “iter criminis”, em tese, será possível a ocorrência de furto de energia tentado.
Sendo esse o caso e o indivíduo venha a ser condenado, na terceira fase da dosimetria da pena será aplicada a causa de diminuição de pena do parágrafo único, do art. 14 do CP, sendo a pena reduzida de um a dois terços.
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1 (AgRg no REsp 1799613/RJ, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 28/04/2020, DJe 30/04/2020).