(Im)possibilidade de acordo para exonerar alimentos devidos e não pagos:
Em recente julgado, o Superior Tribunal de Justiça – STJ, entendeu pela possibilidade de acordo para exonerar alimentos devidos e não adimplidos. A decisão impactou sobremaneira a forma como o tema já era interpretado e aplicado.
Neste post veremos a decisão de modo mais detalhado e sobre como esta deverá ser interpretada, além de apresentar algumas reflexões que nos parecem importante sobre o decisum.
Antes de prosseguir, para melhor compreensão do tema ora abordado, devemos rever algumas questões pertinentes acerca dos alimentos. Vejamos.
1 – Características dos alimentos:
Quando se fala em alimentos, de pronto subtendemos a ideia de imprescindibilidade (veja nosso post sobre pensão alimentícia). Porém, além desta característica, existem outras que são inerentes aos alimentos.
No entender de Cristiano Chaves, Felipe Braga e Nelson Rosenvald (2021, p. 1.336 a 1.338), são características dos alimentos: personalíssimo, irrenunciabilidade, atualidade, futuridade, imprescindibilidade e transmissibilidade.
Porém, para nosso objetivo nos é interessante discutir a irrenunciabilidade dos alimentos. Conforme art. 1.707, do Código Civil de 2002 – CC/02:
“Art. 1.707. Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora.”
O art. 1.707 do CC/02 fala que não se permite a renúncia dos alimentos, porém permite que o alimentando não exerça o direito de cobrança.
1.1 – Os alimentos são irrenunciáveis? – art. 1.707 do CC/02
Conforme visto acima, como regra, o Código Civil de 2002 – CC/02, estabelece que os alimentos são tidos pela legislação como “irrenunciáveis”, conforme estabelece o art. 1.707, do CC/02, já transcrito acima. Exemplo: “A”, menor de 12 anos, filho de “M” e “H”. “M” e “H” firmaram acordo no sentido de “renunciar aos alimentos” de “A”.
Este acordo é válido? Não, ele é nulo de pleno direito, nos termos do art. 1.707, do CC/02.
Saliente-se, que os alimentos são irrenunciáveis, porém é possível que o alimentando possa simplesmente não cobrar a pensão (executar os valores devidos). Veja, existe direito a verba alimentar, que por sua vez é irrenunciável, contudo o seu pleno “exercício” é condicionado a vontade do alimentando.
Inclusive, o Superior Tribunal de Justiça – STJ (STJ. 3ª Turma. REsp 1.529.532-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 09/06/2020. Info. 673), entende que o credor (alimentando) pode renunciar aos alimentos devidos (veremos logo mais a frente).
1.2 – A súmula 379 do STF foi superada?
Súmula 379 STF: “No acordo de desquite não se admite renúncia aos alimentos, que poderão ser pleiteados ulteriormente, verificados os pressupostos legais.”
Apesar da orientação transcrita acima, o STJ entende em sentido diverso, ao passo que compreende como perfeitamente possível a transação nesse sentido, devendo prevalecer a autonomia das partes. Vejamos:
“[…] São irrenunciáveis os alimentos devidos na constância do vínculo familiar (art. 1.707 do CC/2002). Não obstante considere-se válida e eficaz a renúncia manifestada por ocasião de acordo de separação judicial ou de divórcio, nos termos da reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não pode ser admitida enquanto perdurar a união estável. […](STJ. REsp 1178233/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 06/11/2014, DJe 09/12/2014)”
E mais, a doutrina majoritária entende que a súmula 379 do STF encontra-se superada (FARIAS, NETTO E ROSENVALD, 2021, p. 1.337).
2 – Possibilidade de acordo para exonerar alimentos devidos (Info. 673 STJ):
Não obstante, indaga-se: é possível se falar em acordo para exonerar alimentos devidos, mesmo que o acredor seja agente incapaz (e devidamente representado)?
No caso concreto, o STJ entendeu que sim, pois, em verdade, se tratava do não exercício do direito de cobrança (execução) e não de renúncia a verba alimentícia, seja ela presente ou futura, mas apenas um crédito remanescente.
“É possível a realização de acordo com a finalidade de exonerar o devedor do pagamento de alimentos devidos e não pagos” (STJ. REsp 1.529.532-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 09/06/2020, DJe 16/06/2020. Info. 673).
Ainda nesse sentido:
“[…] É irrenunciável o direito aos alimentos presentes e futuros (art. 1.707 do Código Civil), mas pode o credor renunciar aos alimentos pretéritos devidos e não prestados, isso porque a irrenunciabilidade atinge o direito, e não o seu exercício. 4. Na hipótese, a extinção da execução em virtude da celebração de acordo em que o débito foi exonerado não resultou em prejuízo, visto que não houve renúncia aos alimentos vincendos e que são indispensáveis ao sustento das alimentandas. As partes transacionaram somente o crédito das parcelas específicas dos alimentos executados, em relação aos quais inexiste óbice legal. […] (STJ. REsp 1529532/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/06/2020, DJe 16/06/2020)”
Percebe-se, que a feitura de acordo para exoneração de alimentos não adimplidos não deve ser encarado como regra, mas como uma possibilidade a ser verificada no caso concreto e que somente se opera quando ausente a ocorrência de qualquer prejuízo para o menor.
Exemplo: execução de alimentos que objetiva a quitação de débito na monta de R$ 1.000,00 (mil reais) referente a mês de janeiro de 2020. Não obstante, o devedor vem adimplindo a obrigação com regularidade, sendo apenas este o débito.
O alimentando goza de boa saúde e não possui nenhuma pendência quanto a sua subsistência. Pergunta-se, haveria prejuízo na exoneração do valor devido? De certo que não.
Veja mais posts em:
O que é família substituta? – Art. 28 ECA
Petição para informar endereço do réu – CPC/15
Lei 14.138/2021: realização de DNA em parentes do suposto pai
Bibliografia:
FARIAS, Cristiano Chaves de. MANUAL DE DIREITO CIVIL – Volume Único/Cristiano Chaves de Farias, Felipe Braga Netto, Nelson Rosenvald. – 6.ed. rev, ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2021.
Referências:
STJ. REsp 1529532/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/06/2020, DJe 16/06/2020;
STJ. REsp 1178233/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 06/11/2014, DJe 09/12/2014;