1 – O que é a “fase de saneamento do processo”?
Uma das fases que é pouco debatida e discutida na rotina forense diz respeito ao saneamento do processo.
É sabido que a marcha processual deve seguir os ritos preestabelecidos em legislação específica (nesse caso, o Código de Processo Civil de 2015 – CPC/15).
Dentre tais ritos, está a indispensabilidade de submissão do feito a chamada fase “das providências preliminares e saneamento do processo”, conforme Capítulo IX, do CPC/15.
No processo civil, sobretudo após a Lei 13.105/2015, as fases processuais ganhara um contorno, um desenho melhor delineado, ao contrário do códex anterior.
Ainda nessa linha, existe uma fase específica para resolver questões pendentes, sanar eventuais vícios e/ou adotar alguma das providências previstas nos artigos 347 a 357, do CPC/15, o que inclui, como já citado, o saneamento do processo.
2 – Sobre a providências preliminares – arts. 347 a 357 do CPC/15:
Com fulcro no art. 357 do CPC/15, após o fim do prazo legal para apresentação da contestação (art. 335 do CPC), o Magistrado deverá verificar a incidência das providências do Capítulo IX, do CPC/15. Sendo elas:
Verificar a incidência de revelia e se os seus efeitos incidirão no caso concreto – artigos 348 a 349;
Aferir se foi alegado “Fato Impeditivo, Modificativo ou Extintivo do Direito do Autor” – art. 350 do CPC;
Viabilidade do julgamento do feito “conforme o estado do processo”, podendo ser o julgamento total (art. 355 do CPC/15) ou parcial (art. 356 do CPC/15);
Por fim, não ocorrendo a incidência de quaisquer das providências acima, o feito prosseguirá para fins de “saneamento e organização do processo”, conforme art. 357 do CPC;
3 – Fundamento legal do saneamento do processo – art. 357 CPC/15:
O fundamento legal para o saneamento do processo e organização deste está o art. 357 do CPC/15. Vejamos:
“Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo:
I – resolver as questões processuais pendentes, se houver;
II – delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos;
III – definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373;
IV – delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito;
V – designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento.”
➜ Necessidade de resolução das questões de natureza processual ainda pendentes – art. 357, inciso do I, do CPC/15:
O primeiro mandamento do art. 357, inciso I, do CPC/15 aduz que as questões de natureza processual que ainda estejam pendentes de resolução sejam sanadas.
O juiz é o responsável pelo fiel e bom andamento do processo e, desta feita, o art. 139 do CPC/15 manda que o Magistrado adote certas medidas.
Dentre tais medidas está saneamento de eventuais vícios e pendências processuais.
➜ Limitação das questões de fatos – inciso I, do art. 357 do CPC:
Sobre o inciso II, do art. 357 do CPC/15, não é incomum que uma petição e contestação adentrem em fatos que pouco importam para o deslinde processual.
Portanto, caberá ao Magistrado delinear as chamadas questões de fato que devem ser verificadas no processo, bem como quais provas são pertinentes para o deslinde do feito.
➜ Do ônus da prova e possibilidade de aplicação da teoria da distribuição dinâmica, conforme art. 357, inciso III, do CPC/15 e jurisprudência do STJ:
No que diz respeito ao inciso III, do art. 357 do CPC/15, muita atenção.
O CPC/15 introduziu a possibilidade da distribuição dinâmica do ônus da prova, nos termos e limites do art. 373 do CPC/15.
Como regra, deve o autor provar seu direito, ou melhor, o fato que constitui o seu direito (inciso I, do art. 373 do CPC/15), do mesmo modo que compete ao demandado expor elementos e provas quando arguir “fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor” – art. 373, inciso II, do CPC/15.
Porém, de modo expresso, o CPC/15 reconheceu a viabilidade de inversão do ônus da prova, bem como sua distribuição dinâmica, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ, que é, basicamente, possibilidade que o Magistrado tem de distribuir o ônus da prova para quem tem melhores condições de produção desta. (AREsp 1682349/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/10/2020, DJe 22/10/2020).
➜ Delimitar as questões de direito que são relevantes para o julgamento do feito – art. 357, inciso IV, do CPC/15:
Pode ser feita a limitação das denominadas questões de direito que são relevantes para o feito.
O interessante é que na forma do § 2º, do art. 357 do CPC/15, é plenamente possível que os litigantes realizem acordo processual (negócio processual) para fins de limitação das matérias de fato e de direito que serão discutidas.
Existindo acordo nesse sentido, o juiz homologará o negócio e as partes (incluindo o juiz) estarão vinculados (art. 357, § 2º, do CPC/15).
➜ Por fim, designação de audiência de instrução – art. 357, inciso V, do CPC/15:
Apesar de audiência de instrução parecer ser regra na rotina forense, não verdade não é.
Somente será designada audiência para fins de instrução quando persistir a imprescindibilidade de produção de prova oral, com a oitiva de testemunhas, autor ou réu.
Sendo necessária a designação de audiência de instrução, o juiz intimará as partes para apresentarem, no prazo de 15 (quinze) dias – art. 357, § 4º, do CPC/15.
Saliente-se, que o prazo do citado artigo é COMUM (não confundir com prazo sucessivo).
No mais, o número de testemunhas poderão ser arroladas será de, no máximo, 10 (dez), com o arrolamento de até 03 (três) para cada um dos fatos, assim dispõe o § 6º, do art. 357 do CPC/15.
E mais, é possível que, conforme o caso, o Magistrado limite a quantidade de testemunhas, conforme exposto no art. 357, § 7º, do CPC/15.
Tal limitação deve ser feita com o devido cuidado, sob pena de acarretar em cerceamento, seja da defesa ou da capacidade probatória por parte do autor.
A decisão saneadora de que fala o caput do art. 357 do CPC, será tomada para fins de cumprimento dos incisos acima e, após publicada e os litigantes devidamente intimadas, esta será impugnável (para fins de ajustes ou mesmo esclarecimentos) no prazo de 05 (cinco) dias, conforme previsão o § 1º, do art. 357 do CPC/15.
4 – Controvérsias que merecem atenção:
Aqui vamos falar um pouco sobre jurisprudência. O STJ possui precedentes que convergem em entender que as denominadas “questões de ordem pública, como prescrição e decadência” se decidas no “despacho saneador” estarão sujeitas a “preclusão consumativa” (STJ. AgInt no REsp 1700828/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 15/06/2020, DJe 01/07/2020).
Particularmente, discordamos. Veja, as chamadas “questões de ordem pública”, dada a sua natureza, guardam tamanha relevância que podem ser alegadas a qualquer tempo.
Admitir a preclusão consumativa e o consequente afastamento de teses como decadência e prescrição, sem que seja por pronunciamento judicial do tipo sentença, é desarrazoado.
Decidir assim é, na verdade, criar imbróglios que, posteriormente, somente poderão ser resolvidos por decisões “criativas”, como é o caso do procedente publicado no informativo de nº 643, do STJ, em que se permite a interposição de Agravo de Instrumento (art. 1.015 do CPC) para impugnar decisão de antureza interlocutória que rejeita a tese de decadência e prescrição.
“A decisão interlocutória que afasta a alegação de prescrição é recorrível, de imediato, por meio de agravo de instrumento. (STJ. REsp 1.738.756-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 19/02/2019, DJe 22/02/2019. Informativo 643, do STJ).”
Então, se o réu alega prescrição, que é afastada de pronto na decisão de saneamento do processo (que é decisão de natureza interlocutória) e está deve ser impugnada no prazo de 05 (cinco dias), sob de preclusão consumativa (nos termos da já citada jurisprudência do STJ), poderá (também de acordo com o STJ) interpor Agravo de Instrumento, no prazo de 15 (quinze) dias para impugnar decisão que afasta a prescrição e decadência.
E mais, sendo interposto Agravo de Instrumento nesse sentido, não se tratando de hipótes de retratação por parte do magistrado, o recuso subirá para o Tribunal de Justiça (TJ) competente.
E se o TJ acatar e reconhecer a prescrição ou decadência? Ocorrerá supressão de instância? Não seria o juiz de piso responsável pelo julgamento?
Por essas e outras razões que é mais prudente que o juiz decida tais matérias em sentença.
5 – Despacho saneador vs Decisão saneadora:
Na rotina forense, se convencionou chamar a decisão de natureza saneadora de “despacho saneador”. Porém, tal denominação é tecnicamente errada. A jurisprudência do STJ utiliza o termo em suas decisões, como pode ser visto aqui ➜ STJ. REsp 1680717/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/09/2017, DJe 09/10/2017.
Também é possível encontrar decisões do STJ utilizado a expressão “decisão saneadora”, como se pode ver aqui ➜ STJ. AgInt no AREsp 1345965/RJ, Rel. Ministro MARCO BUZZI, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 19/02/2019, DJe 15/03/2019).
Sobre essa questão, o caput do art. 357 do CPC/15 fala, de modo mais do que expresso, em “decisão”, portanto não se encaixa no conceito de despacho do § 3º, do art. 203, do CPC/15.
Por outro lado, a decisão de que fala o art. 357 do CPC/15 melhor se encaixa no conceito do § 2º, do art. 203 do CPC/15.
Portanto, a decisão saneadora, apesar de comumente ser referida como “despacho saneador”, trata-se, na verdade, de decisão interlocutória dada a sua natureza decisória.
6 – Possibilidade de audiência de saneamento com fundamento no § 3º, do art. 357 do CPC/15:
Via de regra, a decisão saneadora é emitida, por escrito, pelo juiz. Porém, conforme § 3º, do art. 357 do CPC/15, é possível a designação de audiência para esse fim, quando ficar evidenciada a complexidade do direito e da matéria discutidos na relação processual.
“Art. 357 […]
§ 3º Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações.”
7 – A fase de saneamento precisa ter a devida atenção:
Por tudo que foi visto aqui, denota-se que o saneamento, isto é, a fase de saneamento do processo, possui grande relevância, seja pela limitação das questões de fato, de direito ou mesmo pela possibilidade que o ônus da prova seja distribuído de modo dinâmico entre os litigantes.
É necessária a devida atenção, principalmente se houver a imprescindibilidade de esclarecimentos e ajustes, o que deve ser impugnado no prazo prescrito em lei, sob pena de preclusão.
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