Direito Penal: o que é princípio da insignificância?

1 – Direito Penal e o princípio da insignificância:

princípio da insignificância

O direito, e seus mais diversos ramos (direito civil, administrativo, constitucional e direito penal, por exemplo), têm como objetivo cuidar, regular e zelar pelo bens jurídicos (vida, patrimônio, liberdade, honra, sociedade). Todo ramo do direito possui princípios próprios que orientam sua aplicabilidade, como é o caso do princípio da insignificância do direito penal.

Caso um bem jurídico venha a ser violado ou mesmo ameaçado de violação, isso atrairá a incidência de alguns dos ramos do direito.

Como vimos no artigo sobre o princípio da mínima intervenção, o direito penal somente incidirá quando os demais ramos do direito não forem suficientes para reprimir a lesão ao bem jurídico. Por essa razão, entende-se que o direito penal é subsidiário (BITENCOURT, 2018, p. 74).

Por conta disso, o legislador faz um exercício, melhor, um juízo de valor político, social ou mesmo econômico para “selecionar” as condutas que são relevantes para o direito penal de acordo com o princípio da fragmentariedade.

2 – Conceito de crime e o princípio da insignificância:

Para melhor compreender a aplicação do princípio da insignificância é necessário tecer algumas considerações sobre o conceito de crime. Infelizmente, a nossa legislação não tem uma concepção explicita de “crime”.

Desse modo, inúmeros doutrinadores desenvolveram as mais diversas teorias para tentar explicar o conceito de “crime”. As concepções mais comuns são:

I – Formal

II – Material

III – Analítico

Não obstante, a doutrina mais abalizada adota o conceito analítico de crime que, de acordo com Rogério Greco (2013, p. 144), define crime como: fato típico, ilícito e culpável.

Antes de prosseguir, é mais do que necessário frisar que o conceito de crime e seus elementos é muito mais do que amplo e complexo do que o apresentado aqui. Porém, no que é pertinente ao princípio da insignificância, basta a análise do conceito de “fato típico”.

2.1 – Fato típico:

No que diz respeito a aplicação do princípio da insignificância, faz mister que se depreenda a ideia, melhor, o conceito de de fato típico. No entender de Rogério Sanches (2016, p. 245), a tipicidade possui duas vertentes, sendo elas: tipicidade formal e tipicidade material.

Tipicidade formal: nada mais é do que a adequação, o enquadramento de uma determinada conduta ao tipo penal prescrito em lei. Para essa vertente, basta subsunção da conduta ao que está prescrito em lei.

Ex.: destruir coisa alheia. Em tese, crime de dano (art. 163, do CP).

Tipicidade material: mais do que a mera adequação típica, a tipicidade também deve levar em consideração a relevância da lesão ou perigo de lesão efetivamente experimentado pelo bem jurídico tutelado, fazendo um verdadeiro juízo de valor (SANCHES, 2016, p. 245). Não basta a adequação típica, a lesão ou perigo de lesão deve ser relevante.

Rogério Greco (2013, p. 63) entende que fato típico é: formal e conglobante (conduta antinormativa e fato materialmente típico) – é  a mais a ceita.

Não obstante, conforme explicação acima, para a teoria analítica, o fato típico deve ser formal e materialmente típico ou formal e conglobante (conduta antinormativa e material) – como dito, é a mais aceita. Porém, o que é relevante aqui é a tipicidade material.

De qualquer modo, ausente a relevância material da conduta, não se pode falar em crime, sendo portanto, fato materialmente atípico.

3 – Atipicidade material por força do princípio da insignificância (ou da bagatela):

Seria muito mais fácil apenas dizer que o princípio da insignificância ou da bagatela é o princípio que determina que o direito penal não deve se preocupar com condutas insignificantes. Seria fácil, mas também seria incompleto e pouco relevante para o aprendizado.

Por essa razão, fizemos toda a explicação acima, inclusive abordando o conceito de crime, fato típico e atipicidade material, bem como sobre os princípios da mínima intervenção e da fragmentariedade. Tudo isso para que melhor se compreenda a premissa fundamental que o princípio da insignificância representa.

A doutrina mais abalizada compreende que o princípio da insignificância surge para, diante de uma conduta jurídica inexpressiva, fazer frente a “desproporcionalidade” de sanção eventualmente cominada caso o agente venha a ser condenado (BITENCOURT, 2018, p. 83).

Portanto, com base em tudo o que foi debatido, o princípio da insignificância atua no sentido de, como dito acima, se opor a desproporcionalidade entre a conduta antinormativa pouco relevante e/ou de inexpressiva lesividade jurídica e a reprimenda eventualmente aplicada.

Sendo reconhecida a insignificância, o efeito prático é, no caso concreto, a atipicidade material da conduta.

Exemplo clássico doutrinário para aplicação do princípio da insignificância é o furto de uma caneta simples, de R$ 1,00 (real). Formalmente, temos o crime de furto simples. Porém, do ponto de vista material a conduta é pouco relevante ou mesmo inexpressiva para fins penais.

4 – Requisitos do princípio da insignificância:

Saliente-se, que a própria doutrina destaca que insignificância não deve ser vista como sinônimo para crimes menores ou mesmo de pequena repercussão jurídica, pois o que deve ser analisado no caso concreto é a “gravidade, extensão ou intensidade” da conduta ora perpetrada (BITENCOURT, 2018, p. 83).

requisitos do princípio da insignificância

Portanto, para amparar e até mesmo guiar a aplicabilidade do princípio da insignificância no caso concreto, o Supremo Tribunal Federal – STF construiu a seguinte tese:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CONTRABANDO (ART. 334, § 1º, C, DO CP). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. NECESSIDADE, OU NÃO, DA PRÉVIA CONCLUSÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO FISCAL ANTES DA PROPOSITURA DA AÇÃO PENAL. MATÉRIA NÃO SUBMETIDA À APRECIAÇÃO DAS INSTÂNCIAS PRECEDENTES. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. VEDAÇÃO. ORDEM DENEGADA.

1. O princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.

2. A aplicação do princípio da insignificância deve, contudo, ser precedida de criteriosa análise de cada caso, a fim de evitar que sua adoção indiscriminada constitua verdadeiro incentivo à prática de pequenos delitos patrimoniais […]: HC 100.616, Segunda Turma, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJ de 14.03.11, HC 103.835, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJ de 08.02.11). 7. Ordem denegada.

(HC 116242, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 03/09/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-182 DIVULG 16-09-2013 PUBLIC 17-09-2013).

5 – Portanto, para o STF são vetores para aplicação do princípio da insignificância:

I – Mínima ofensividade da conduta do agente;

II – Nenhuma periculosidade social da ação;

III – Grau reduzido de reprovabilidade do comportamento;

IV – Inexpressividade da lesão jurídica provocada;

6 – O princípio da insignificância se aplica ao furto?

Em tese, preenchidos os requisitos acima, é plenamente possível a aplicação do princípio da insignificância a todos os crimes, excetuando, os crimes cometidos com violência ou grave ameaça e de perigo abstrato.

Via de regra, também não se aplica a insignificância aos crimes contra a fé pública ou em face da Administração Pública.

Portanto, é plenamente aplicável o princípio da insignificância ao crime de furto simples, conforme entendimento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Inclusive, o STJ tem entendimento que valores subtraídos em uma monta superior a 10% (dez por cento) do salário-mínimo não podem ser considerados insignificantes (REsp. 1558547/MG. 6ª turma, do STJ). Entendemos que o valor a ser considerado é o data do fato.

7 – Princípio da insignificância e crimes de perigo abstrato:

No direito penal, existem algumas figuras típicas cujo seu grau de lesividade é presumido por lei. Ex.: Tráfico de drogas, posse de drogas para consumo próprio, posse de munição e outros.

Nesses tipos de crimes, tanto a jurisprudência como a doutrina entendem que não cabe a aplicação do princípio da insignificância. Entretanto, em alguns casos, mesmo se tratando de crimes de perigo abstrato, a jurisprudência vem (excepcionalmente) aplicando o princípio da insignificância.

8 – Posse de munição de uso permitido usada como pingente:

Excepcionalmente, o STF entende que a posse de munição de uso proibido, de forma isolada, e utilizada como pingente, não teria, naquele contexto, lesividade relevante para fins penais. Portanto, seria materialmente irrelevante.

Vejamos (informativo 826):

É atípica a conduta daquele que porta, na forma de pingente, munição desacompanhada de arma. […]. Na espécie, o paciente portava — como pingente — munição de uso proibido sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar (Lei 10.826/20013, art. 16, “caput”). STF. HC 133984/MG, rel. Min. Cármen Lúcia, 17.5.2016. (HC-133984).

9 – Violência doméstica e o princípio da insignificância:

Por todo o exposto, é intuitivo que a violência e ameaça não são compatíveis com o princípio da insignificância. Nesse caso, por óbvio que o referido princípio também não se aplicaria no contexto de violência doméstica. O STJ sumulou tal entendimento. Veja abaixo.

Súmula 589, do STJ:

Súmula 589 – É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas. (Súmula 589, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/09/2017, DJe 18/09/2017).

10 – Princípio da insignificância no caso concreto:

No que diz respeito a aplicabilidade do princípio da insignificância, o fato é que sua incidência será verificada no caso concreto pelo Magistrado. Eventualmente surgirão situações em que a aplicação será cristalina. Também surgirão hipóteses em que se demandará uma análise mais acurada.

Fontes:

BITENCOURT, Cezar Roberto. TRATADO DE DIREITO PENAL: Parte Geral 1. – 24. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

GRECO, Rogério. CURSO DE DIREITO PENAL. -15. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2013.

CUNHA, Rogério Sanches. MANUAL DE DIREITO PENAL: Parte Geral (arts. 1 o ao 120). – 4. ed. rev., ampl. e atual.- Salvador: JusPODIVM, 2016.

Informativo 826, do STF

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