Súmula 630 do STJ: confissão no tráfico de drogas

1 – Crime de Tráfico de drogas, consumo de drogas e a confissão espontânea:

Neste post abordaremos a confissão espontânea nos crimes de tráfico de drogas (art. 33 da Lei de Drogas) e porte de drogas para consumo pessoal (art. 28 da Lei de Drogas) à luz do atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ, sedimentada no verbete sumular de nº 630, ou seja, súmula 630 do STJ.

Antes da súmula 630 do STJ, persistia a controvérsia sobre a incidência ou não da atenuante da confissão espontânea no delito previsto no art. 33 da Lei de Drogas quando o acusado confessava o porte para fins recreativos e de uso pessoal e não tráfico de drogas.

2 – Imagine a seguinte situação:

súmula 630 do STJ

A” brasileiro, solteiro, 22 (vinte e dois anos), sem emprego conhecido, foi pego em flagrante sob a posse de 05 (cinco) papelotes de maconha.

Em sede de inquérito policial, “A” afirmou que o tóxico era para seu próprio consumo.

Ocorre, que no local de prisão do senhor “A”, a força de inteligência da polícia já estava investigando a suposta prática de tráfico no referido local.

Dito isso, “A” foi denunciado pela autoria de tráfico de tóxicos (art. 33 da Lei de Drogas). Após resposta à acusação, o processo seguiu e foi realizada audiência de instrução e julgamento.

Na ocasião, o réu confessou que o tóxico era seu, mas que era tão somente para fins de consumo pessoal, o que configuraria, em tese, o delito do art. 28 da Lei de Drogas, e não o do art. 33 (tráfico).

Após, foi concedido de prazo sucessivo para apresentação de memoriais finais escritos.

Com a apresentação dos memoriais, o processo seguiu concluso para sentença.

Em sentença, o Magistrado entendeu que a situação ali era, de fato, tráfico de entorpecentes, isto é, a figura típica amparada no art. 33 da Lei de Drogas e não a infração penal de posse de entorpecentes para mero consumo pessoal.

Apesar da confissão da posse da droga, o entendeu que não caberia a atenuante da confissão espontânea naquele caso, pois o réu confessou a autoria da infração penal de posse de tóxicos para mero consumo e não o crime de tráfico.

Pergunta-se: agiu certo o Juiz? Conforme súmula 630 do STJ, sim. O juiz agiu corretamente.

Antes de analisar melhor essa questão devemos rever alguns conceitos.

3 – Sobre o delito de tráfico de entorpecentes (art. 33 da Lei de Drogas)

confissão no crime de tráfico de drogas

O ilícito de tráfico de drogas está inserto no art. 33 da Lei 11.343/06 (Lei de drogas ou lei de tóxicos), com a seguinte redação:

“Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.”

Conforme se verifica acima, o art. 33 da Lei 11.343/06 comporta uma gama de verbos nucleares que, se verificados, ensejarão no tipo penal supra, com uma pena entre 05 (cinco) e 15 (quinze) anos. É um tipo penal bastante amplo.

4 – Sobre o crime de porte de drogas para consumo – art. 28 da Lei de Drogas

confissão espontânea

O delito de porte de drogas para fins de consumo pessoal está amparado no art. 28 da Lei de Drogas, que possui o seguinte texto legal:

“Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I – advertência sobre os efeitos das drogas;

II – prestação de serviços à comunidade;

III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.”

5 – Diferença entre a infração penal de tráfico de drogas e o de posse de drogas para fins de consumo pessoal:

A sanção para o delito de posse de tóxicos que se destinar para meros fins pessoais é “mais branda”. Percebe-se, portanto, que existe uma “distância”, um “abismo” entre as penas do art. 33 e art. 28 da Lei de Drogas.

Portanto, a desclassificação do ilícito penal de tráfico para o crime de posse de drogas fará grande diferença no caso concreto. Um é punido com penas restritivas de liberdade (como regra) e o outro (o porte para uso) é punido apenas com sansões penais do tipo “restritivas de direitos”.

Mas qual a diferença? A diferença entre os dois está, basicamente, na finalidade do tóxico. Enquanto que no delito do art. 28 da Lei de Drogas, se pune a posse da droga para consumo pessoal, no art. 33 da Lei de Drogas, objetiva-se punir a atividade voltada a traficância (distribuição a título gratuito ou oneroso da droga).

Então o desafio é distinguir a finalidade da droga. No caso concreto, o Magistrado deverá verificar a existências de elementos subjetivos que indiquem a prática de traficância. Apesar disso, o § 2º, do art. 28 da Lei de Drogas, tenta destacar algumas circunstâncias que podem ajudar a diferenciar o mero usuário do traficante.

Além disso, a jurisprudência também aponta outros elementos para identificar o tráfico no caso concreto.

Exemplo: indivíduo encontrado com drogas em embalagens fracionadas e com uma quantia considerável de dinheiro1 (dinheiro “trocado”2 também pode ser um indicativo).

A forma de acondicionamento da droga também pode indicar a traficância3. Com já mencionado, a dificuldade é, exatamente, verificar no caso concreto a ocorrência destas circunstâncias de modo a verificar a prática de tráfico. Ausentes estes e outros elementos que indiquem a ocorrência de tráfico, o delito será (certamente) o de posse de tóxicos para consumo pessoal (art. 28 da Lei de Drogas).

Mas a confissão espontânea pode ser utilizada como elemento de prova? Vimos em nosso post sobre a oitiva do réu que este configura verdadeiro meio de prova.

Assim, se o réu assume a prática delitiva, a confissão poderá ser levada em consideração pelo magistrado, além de ensejar (como regra) na atenuante do art. 65, inciso III, “d”, do CP.

Mas e se o réu confessar que cometeu o crime de posse de drogas e for condenado pela prática do delito de tráfico ilícitos de entorpecentes?

Aqui é que entra a súmula 630 do STJ. Vejamos.

6 – Súmula 630 do STJ e forma de se interpretar a confissão espontânea

A súmula 630 do STJ veio para uniformizar a possibilidade de cominação da atenuante da chamada confissão espontânea no delito de tráfico ilícitos de tóxicos e posse para consumo próprio. Vejamos o verbete sumular:

Súmula 630 do STJ: “A incidência da atenuante da confissão espontânea no crime de tráfico ilícito de entorpecentes exige o reconhecimento da traficância pelo acusado, não bastando a mera admissão da posse ou propriedade para uso próprio. Terceira Seção, julgado em 24/04/2019, DJe 29/04/2019.”

Conforme súmula supra, somente será viável a cominação da atenuante da confissão espontânea quando o indivíduo efetivamente confessar a prática do crime de tráfico, não podendo que, a confissão de porte para consumo, atraia a incidência da atenuante em caso de condenação pelo art. 33 da Lei de Drogas.

7 – Comentários à súmula 630 do STJ: confissão no crime de tráfico de drogas.

Particularmente, discordamos da súmula 630 do STJ. Pode existir muita controvérsia sobre o que seria tráfico no caso concreto. Vimos nos tópicos acima a tamanha subjetiva que recai sobre o tipo penal do art. 33 da Lei de Drogas e do art. 28 do mesmo diploma legal.

Agora imagine que determinado agente acusado por tráfico confessa o crime de posse de drogas. O juiz utiliza a confissão (que é meio de prova) para fundamentar sua decisão e o réu é condenado por tráfico de ilícitos. Nesse caso, seria justo desconsiderar a colaboração do acusado?

De início devemos destacar que o réu que admite a autoria do fato, devendo que estes sejam interpretados pelo Magistrado. Também devemos considerar que a súmula 545 do STJ manda que se aplique a atenuante da “confissão espontânea” quando esta for empregada para o desenvolvimento e formação das razões de decidir do Magistrado.

A súmula 630 do STJ mais parece uma maneira sutil de “incentivar” o agente a confessar o tráfico a troco de uma “redução” de pena na fase intermediária. Existe problema nisso?

Não deveria, mas existe. A problemática consiste no fato que, normalmente, pouco se apura nos crimes de tráfico e a confissão “espontânea” mais serve como uma forma de “robustecer” uma sentença com fundamentos frágeis.

7.1 – Mas é justo que o réu que não colabore e distorça os fatos e ainda se beneficie?

Não, não é mesmo. Mas o próprio STJ já possui mecanismos para lidar com situações assim. Normalmente, as atenuantes são valoradas em 1/6 (um sexto) da pena-base4. Porém, se a confissão for controversa e distorça os fatos, o STJ entende que é admissível que se comine a atenuante da confissão em patamar inferior a 1/6 (um sexto).5

Portanto, entendemos que a súmula do 630 do STJ é ilegal, pois contraria texto expresso de lei, na medida que o indivíduo confessa, ou seja, assume a autoria de fatos e não de tipos penais.

O interrogatório do réu constitui meio de prova e se for utilizado pelo Juiz para embasar suas razões de decidir, a atenuante deve ser executada em respeito a súmula 545 do STJ, porém em patamar inferior ao normalmente aplicado.

Portanto, se a confissão espontânea for considerada para embasar as razões de decidir, a atenuante deverá, essencialmente, ser cominada e, caso o acusado confesse o delito de posse para consumo pessoal, a atenuante deverá ser aplicada em proporção menor caso venha a ser condenado por tráfico.

Do mesmo modo que, caso confesse o crime do art. 28 da lei de tóxicos, mas venha a ser condenado por tráfico e o Magistrado não utilizar a confissão espontânea como meio de prova para amparar seu decisum, a atenuante não incidirá de maneira alguma.

É o que nos parece mais adequado e razoável, sobretudo como um mecanismo para equilibrar a lei, os entendimentos sumulados (súmulas 547 e 630) e jurisprudência.

Veja mais posts em:

O que é sentença? Conceito e elementos, conforme CPC/15

Petição para informar endereço do réu – CPC/15

Direito Penal: princípio da adequação social

Habeas Corpus – art. 5º, inciso LXVIII, da CF/88

RESE: Recurso em sentido estrito (art. 581 CPP)

Fontes:

Súmula 545 do STJ

Súmula 630 do STJ

Notas:

1 (STJ. AgRg no HC 628.113/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 01/12/2020, DJe 07/12/2020).

2 (STJ. HC 520.586/RJ, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 12/11/2019, DJe 25/11/2019).

3 (STJ. AgRg no HC 631.183/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 15/12/2020, DJe 17/12/2020).

4 (STJ. AgRg no HC 539.585/MT, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 01/12/2020, DJe 10/12/2020).

5 (STJ. AgRg no HC 595.651/AC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 24/11/2020, DJe 16/12/2020).

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