1 – Penas restritivas de direito: a substituição das penas como medida necessária
Não é segredo que o direito penal é medida de exceção e mesmo da hipótese de sua incidência, as penas eventualmente cominadas devem ser proporcionais a gravidade concreta do delito. Não a toa que o Código Penal prevê espécies distintas de tipos de penas, constituindo, portanto, espécie de pena as chamadas “penas restritivas de direitos”, cujo fundamento legal pode ser extraído dos artigos 32, 43, 44 e outros do Código Penal.
Desse modo, existem situações em que as penas que possuam natureza de restritivas de direito poderão substituir as penas restritivas de liberdade eventualmente cominadas em hipótese de condenação.
Podemos dizer que, embora também constituam sanção penal, as restritivas de direito são menos rigorosas do que as penas que tem como fim o cerceamento de liberdade.
Toda sanção deve ser proporcional, sob pena de acarretar em ilegalidade. Reza o art. 59 do CP que as penas devem ser suficientemente necessárias para a “reprovação e prevenção” do ilícito penal. Vejamos:
“Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I – as penas aplicáveis dentre as cominadas;(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”
Nem mais e nem menos, mas apenas o indispensável para reprimir eventuais condutas lesivas e prevenir novas condutas em sentido semelhante.
Percebe-se, portanto, a difícil tarefa do legislador em estimular penas (mínimas e máximas) conforme ocaso e também do Juiz que deve ter o equilíbrio, sensatez e sensibilidade para definir o quantum que suficiente para a “reprovação e prevenção”.
Não obstante, o Código Penal traça diretrizes para que o Magistrado, no caso concreto, possa atuar no sentido de substituir as sanções penais que tem como cunho a restrição da liberdade por penas que objetivam cercear direitos, conforme veremos a seguir.
Boa leitura!
2 – Fundamento legal das penas restritivas de direito e sua autonomia – inciso II, do art. 32, do CP
Inicialmente, devemos destacar que as sanções penais que tem como finalidade restringir direitos são tidas como espécies de penas expressamente previstas no inciso II, do art. 32 do CP e, quando preenchidos os requisitos, substituem as penas restritivas de direitos, constituindo, portanto, verdeiras medidas autônomas de natureza penal que, como já dito acima, substituem as sanções restritivas de liberdade.
Infelizmente, no Brasil as penas restritivas de direitos, comumente, são interpretadas pela sociedade como uma “benesse” branda demais.
Para a maioria, uma sanção de natureza restritiva de direito não seria suficiente para surtir os efeitos da parte final do art. 59 do CP, ou seja, para a “reprovação e prevenção” do delito.
Ocorre, que é pouco compreendido que as sanções penais que tem como intento a restrição de direitos não perdem a natureza penal, acarretando, de todo modo, em todos os efeitos típicos de uma condenação (penais e extrapenais) que lhe são inerentes.
No mais, não se trata de benesse concedida de forma leviana, pelo contrário.
O Código Penal estabelece baliza que devem orientar o Magistrado sobre a possibilidade de substituição de pena.
Não se trata de medida irresponsável, mas uma sanção penal de natureza não corpórea e que, conforme critérios legais e judiciais, será aplicada para, tal como a prisão pena, provocar os efeitos penais e extrapenais, além da própria condenação em si.
Abaixo veremos as penas restritivas de direitos que podem vir a substituir as sanções penais de natureza corpóreas, conforme a situação concreta recomendar.
3 – Penas restritivas de direitos em espécie – art. 43 do CP
As penas restritivas de direitos estão estampadas no art. 43 do CP, sendo elas:
“Art. 43. As penas restritivas de direitos são: (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)
I – prestação pecuniária; (Incluído pela Lei nº 9.714, de 1998)
II – perda de bens e valores; (Incluído pela Lei nº 9.714, de 1998)
III – limitação de fim de semana. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
IV – prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; (Incluído pela Lei nº 9.714, de 25.11.1998)
V – interdição temporária de direitos; (Incluído pela Lei nº 9.714, de 25.11.1998)
VI – limitação de fim de semana. (Incluído pela Lei nº 9.714, de 25.11.1998)”
3.1 – Pena de prestação pecuniária – inciso I, do art. 43 do CP:
A primeira das hipóteses de penas restritivas de direito é aquela inserida no inciso I, do art. 43 do CP, que institui como um dos substitutivos da sanção penal natureza restritiva de liberdade é a sanção substitutiva de “prestação pecuniária”.
A fixação de restritiva de direito que tenha como objetivo o pagamento de quantia em valores monetários, deve atender aos critérios do § 1º, do art. 45 do CP.
O quantum da sanção de prestação pecuniária será cominado entre 01 (um) salário-mínimo e 360 (trezentos e sessenta) salários-mínimos, que será revertido em prol de eventual vítima ou para entidade pública (ou mesmo privada) que tenha como finalidade a atuação na área social.
É possível que o(a) ofendido(a) aceite meio de reparação diverso da prestação pecuniária – § 2º, do art. 45 do CP.
3.2 – Perda de bens e valores – inciso II, do art. 43 do CP:
Também é possível que o agente que seja condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade e tenha a reprimenda substituída pela perda de bens.
Sobre a perda dos bens, o § 3º do art. 45 do CP, manda que a perda dos bens do apenado seja feito de forma proporcional, sendo o teto o valor do prejuízo ou o valor do proveito econômico, prevalecendo o maior valor, que deverá ser revertido em prol do Fundo Penitenciário Nacional.
3.3 – Prestação de serviço à comunidade (ou a entidades públicas) – inciso IV, do art. 43 do CP:
Provavelmente é a espécie de pena substitutiva mais comum. O art. 46 do CP, manda que nas penas que ultrapassem a monta de 06 (seis) meses será possível a cominação de penas restritivas de direitos que tenha como finalidade a prestação de serviços à comunidade.
Conforme mandamento que pode ser extraído do § 1º, do art. 46 do CP, a a sanção de se destina a provimento de serviços em prol da comunidade “consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado”.
E mais, o serviço de que fala o § 1º, do art. 46 será realizado em “entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais”, conforme a melhor orientação extraída do § 2º, do art. 46 do CP.
3.4 – Interdição temporária de direitos – inciso V, do art. 43 e art. 47. ambos do CP:
A interdição de que fala o inciso V, do art. 43 do CP deve ser interpretado em conjunto do o art. 47 do mesmo diploma, uma que este traz o rol de penas restritivas de direitos permitidas. Vejamos:
“Art. 47 – As penas de interdição temporária de direitos são: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I – proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II – proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público;(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
III – suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
IV – proibição de freqüentar determinados lugares. (Incluído pela Lei nº 9.714, de 1998)
V – proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos. (Incluído pela Lei nº 12.550, de 2011)”
3.5 – Limitação de fins de semana – inciso VI, do art. 43 do CP:
O objetivo de limitar o final de semana do reeducando consiste, basicamente, em reduzir o tempo ocioso. Vejamos a redação legal do art. 48 do CP:
“Art. 48 – A limitação de fim de semana consiste na obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por 5 (cinco) horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Parágrafo único – Durante a permanência poderão ser ministrados ao condenado cursos e palestras ou atribuídas atividades educativas.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”
O art. 48 do CP manda que o reeducando permaneça por 05 (cinco) horas diárias, no sábado e no domingo, em casa de albergado.
O problema é que normalmente faltam casas de albergado, o que faz com que seja determinado ao agente que fique recolhido em sua residência nos finais de semana.
4 – Em qual fase o juiz substitui a pena por medidas restritivas de direitos?
O juiz condenará ou absolverá o agente através de uma sentença. Decidindo pela autoria e materialidade do delito, passará a dosimetria da pena.
Fixada a pena, o Magistrado verificará a possibilidade de substituição de eventual sanção penal restritiva de liberdade por sanções que visem o cerceamento de direitos, nos termos dos artigos 43 e 44, ambos do Código Penal.
5 – Requisitos para a substituição da pena – art. 44 do CP:
Não é toda sanção penal (com natureza de restritiva de liberdade) que poderá ser substituída.
Para que ocorra a conversão da sanção penal restritiva de liberdade por penas restritivas de de direitos, devendo, que no caso concreto se observe os requisitos objetivos e subjetivos para a concessão da benesse.
Os requisitos para conversão estão no art. 44 do CP. Vejamos:
“Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)
I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;(Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)
II – o réu não for reincidente em crime doloso; (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)
III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)”
Portanto, a pena restritiva de liberdade aplicada não pode ultrapassar 04 (quatro) anos e, em hipótese alguma, será possível a conversão se o delito tiver sido praticado com “violência ou grave ameaça à pessoa”.
Nos delitos culposos, não há restrição em relação ao quantum da pena.
O agente reincidente não poderá, via de regra, ser beneficiado com substituição da pena, por expressa vedação legal extraída do inciso II, do art. 44 do CP.
Para todos os efeitos, reincidente é aquele que após sentença penal transitada em julgado, vem a cometer novo delito.
Por fim, as circunstâncias judicias apuradas devem estar em consonância com a possibilidade de substituição.
Caso todas as circunstâncias judiciais sejam neutras ou favoráveis, não há razão para a negativa da substituição da pena.
Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ, muito embora a análise das circunstâncias judiciais do agente sejam de competência do Magistrado, é possível, de modo excepcional, em caso de flagrante ilegalidade ou em hipótese de inobservância dos parâmetros legais, em sede de Habeas Corpus – HC.
“[…] A substitutividade da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos insere-se dentro de um juízo de discricionariedade do julgador, atrelado às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, somente passível de revisão por esta Corte no caso de inobservância dos parâmetros legais ou de flagrante desproporcionalidade. […] (HC 620.969/SC, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 15/12/2020, DJe 18/12/2020)”
5.1 – Quantas medidas restritivas de direito serão suficientes para substituir a pena restritiva de liberdade?
O § 2º, do art. 44 do CP manda que na conversão das penas, será possível que, em caso de condenação abaixo de 01 (um) ano, seja aplicado ao réu apenas uma sanção, podendo ser: multa ou apenas uma das penas restritivas de direitos.
Sendo a pena cominada em patamar em quantum acima de 01 (um) ano, a conversão deverá ser feita do seguinte modo:
01 (uma) pena restritiva de direitos e multa ou
02 (duas) penas restritivas de direitos.
6 – Substituição da pena em caso de reincidência:
É possível, excepcionalmente, a conversão da sanção que tenha como fim o cerceamento da liberdade por aquelas restritivas de direito se a situação recomendar, nos termos do art. 44, § 4º, do CP.
Atente-se, contudo, que se a reincidência for em razão do mesmo delito, não será possível a conversão mesmo que as condições do agente sejam favoráveis.
7 – Exigência de imposição de pena substitutiva como exigências para a progressão – súmula 493 do STJ:
Quanto a progressão para o regime aberto, não pode o Juiz condicionar/impor a progressão a fixação de pena substitutiva prevista no rol do art. 43 do CP.
Súmula 493 do STJ: “É inadmissível a fixação de pena substitutiva (art. 44 do CP) como condição especial ao regime aberto. (Súmula 493, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/08/2012, DJe 13/08/2012)”
8 – Impossibilidade de substituição da pena em processos envolvendo violência doméstica (súmula 588 do STJ):
Em processo que apura a prática de violência contra a mulher, que se insira no âmbito da Lei Maria da Penha, seja crime ou de contravenção penal, não será viável (permitida) a substituição da pena.
Súmula 588 do STJ: “A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. (Súmula 588, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/09/2017, DJe 18/09/2017)”
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