1 – Crime de furto – crime contra o patrimônio:
Em outros momentos já falamos sobre o crime de furto (art. 155 do CP) e furto praticado durante o repouso noturno (art. 155, § 1º, do CP). Desse modo, dando continuidade ao tema “crime de furto”, falaremos um pouco sobre o furto privilegiado.
Assim, veremos a fundamentação legal do furto privilegiado, momento de aplicação e requisitos para seu reconhecimento no caso concreto.
2 – Furto privilegiado como causa de diminuição de pena (art. 155, § 2º, do CP):
O crime de furto privilegiado deve ser entendido com uma situação em que a incidência de causa de diminuição de pena e será aplicada sempre que preenchidos certos requisitos (conforme veremos abaixo).
A fundamentação legal do furto privilegiado está no § 2º, do art. 155, do CP. Vejamos:
“Art. 155 – Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 2º – Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.”
Portanto, constituem requisitos para o reconhecimento do furto privilegiado os seguintes elementos (conforme § 2º, do art. 155, do CP):
• Primariedade: primário é o indivíduo que não possui contra si condenação penal definitiva (transitada em julgada). Portanto, praticado o furto e sendo este privilegiado, o réu poderá receber a benesse do furto privilegiado caso seja primário (além do requisito abaixo).
• Coisa de pequeno valor: Além da primariedade, é necessário que o objeto furtado seja de pequeno valor. Não de valor insignificante, mas de pequeno valor (sendo insignificante, aplicar-se-á o princípio da insignificância).
Sobre o que seria considerado “pequeno valor”, o Superior Tribunal de Justiça – STJ possui precedentes no sentido de que o valor inferior a 01 (um) salário-mínimo poderá ser considerado “pequeno valor” (STJ. HC 583.023/SC, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 04/08/2020, DJe 10/08/2020).
2.1 – O que acontece se for reconhecido o furto privilegiado?
Preenchidos os requisitos da primariedade e do pequeno valor o juiz poderá (art. 155, § 2º, do CP):
• Substituir a pena de reclusão pela de detenção
• Diminuir a pena de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços)
• Ou aplicar somente pena de multa.
Saliente-se, que caso o juiz entenda pela diminuição da pena, isso ocorrerá na terceira fase da dosimetria da pena. Funciona assim (art. 68 do Código Penal): pena-base (art. 59 do CP) ➝ causas atenuantes (artigos 65 e 66, do CP) ➝ e agravantes (art. 61, do CP) e, por fim, ➝ as causas de diminuição ou de aumento de pena.
Assim, caso o agente pratique crime de furto simples e receba a pena-base de 03 (três) anos, não concorrendo quaisquer causas atenuantes ou agravantes, o juiz poderá diminuir a pena de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços).
Sendo aplicada a causa de diminuição de pena, será possível que a pena final fique abaixo do mínimo legal sem que se possa falar em ofensa a súmula 231, do STJ.
3 – É possível aplicar o furto privilegiado ao furto qualificado?
Agora imagine que o furto foi praticado sob quaisquer das circunstâncias dos §§ 4º, 4-Aº, 5º, 6º e 7º, do art. 155 do CP (hipóteses de furto qualificado), seria possível o reconhecimento do furto privilegiado?
Em tese, sim. O STJ vem entendendo pela possibilidade de reconhecimento da benesse do furto privilegiado (§ 2º, do art. 155 do CP).
“[…] No caso da paciente, tratando-se de ré primária, condenada pelo furto de bens de pequeno valor e tendo incidido a qualificadora objetiva do concurso de pessoas, deve ser reconhecido o privilégio […]. (HC 583.023/SC, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 04/08/2020, DJe 10/08/2020).”
3.1 – Súmula 511 do STJ:
No mais, a súmula 511 do STJ entende que se for hipótese de qualificadora de ordem objetiva, primariedade e de pequeno valor a coisa, será plenamente possível a aplicação da causa do furto privilegiado (§ 2º, do art. 155 do CP).
“É possível o reconhecimento do privilégio previsto no § 2º do art. 155 do CP nos casos de crime de furto qualificado, se estiverem presentes a primariedade do agente, o pequeno valor da coisa e a qualificadora for de ordem objetiva. (Súmula 511, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/06/2014, DJe 16/06/2014)”
Exemplo: “A” em companhia de “B” praticaram o crime furto qualificado pelo concurso de agentes (art. 155, § 4º, inciso IV, do CP). O objeto subtraído foi uma caixa de som avaliada em R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais). Conforme exemplo, seria possível o reconhecimento do furto privilegiado, apesar da qualificadora.
Portanto, conforme súmula 511 do STJ é plenamente possível conciliar o furto qualificado (nas qualificadoras de ordem objetiva) com o furto privilegiado.
3.2 – Arrependimento posterior e o furto privilegiado:
Já abordamos o instituto do arrependimento posterior (art. 16, do CP). Vimos que caso o agente restitua a coisa ou repare o bem antes do OFERECIMENTO da denúncia a pena será reduzida de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços).
Pergunta-se: seria possível cumular o arrependimento posterior com o furto privilegiado?
Entendemos que sim, seria possível. Não há impedimento legal para que seja reconhecido a acumulação do arrependimento posterior (art. 16 do CP) e do furto privilegiado (art. 155, § 2º, do CP).
4 – Caso fictício:
“A” e “B” praticaram o crime de furto ao subtrair uma televisão do tipo LED avaliada em R$ 500,00 (quinhentos reais) de uma casa situada na centro da cidade “Azul”.
O furto foi praticado às 02h da manhã. “A” e “B” foram identificados pela sistema de vigilância da casa.
Foi aberto inquérito policial (veja nosso post sobre arquivamento do inquérito policial) para apurar a prática de crime de furto qualificado pelo concurso de pessoas c/c com a majorante do furto praticado mediante repouso noturno. “A” e “B” devolveram a TV.
“A” e “B” foram denunciados pela suposta prática do crime de furto qualificado c/c a majorante do repouso noturno.
Em caso de condenação, seria possível o reconhecimento da causa de aumento de pena do repouso noturno, a causa de diminuição de pena do arrependimento posterior, bem como o furto privilegiado.
5 – Conclusão sobre furto privilegiado:
Assim, em síntese podemos dizer que o crime de furto (art. 155 do CP) pode ser praticado na sua modalidade simples ou qualificada, sendo plenamente possível o reconhecimento do furto privilegiado em ambas as hipóteses (desde que a qualificadora seja de ordem objetiva), conforme súmula 511 do STJ.
Veja mais em:
Direitos da personalidade – art. 11 do CC/02
Hipóteses de demissão por justa causa (art. 482 da CLT)
Crime de homicídio (art. 121 CP): comentários pertinentes
Extinção do processo (artigos 485 e 487 do CPC/15)
Petição para informar endereço do réu – CPC/15