1 – Improcedência liminar do pedido:
Algo que sempre causa certa confusão no processo civil é a chamada “improcedência liminar do pedido”.
A desorientação diz respeito ao reconhecimento das hipóteses de indeferimento da petição inicial e as situações em que será cabível a improcedência de forma liminar do pedido. São coisas distintas.
2 – Diferença entre improcedência liminar do pedido e indeferimento liminar da petição:
No primeiro momento parece que indeferimento da petição e a improcedência liminar do pedido são a mesma coisa, porém são situações totalmente divergentes.
Dito isso, antes de adentrar nas hipóteses de improcedência de forma liminar do pedido é necessário fazer essa distinção.
2.1 – Indeferimento da petição:
Em nosso post sobre indeferimento da petição inicial, vimos que o inferimento ocorrerá nas hipóteses do art. 330, do Código de Processo Civil de 2015 – CPC/15.
Feita uma leitura rápida do mencionado artigo é possível perceber que as hipóteses legais do 330 são de natureza processual e estão intrinsecamente correlacionadas a existência de vícios e defeitos não sanados, mesmo após o Magistrado ter oportunizado a possibilidade fazê-lo.
No caso de indeferimento da petição, a natureza extintiva da decisão será do tipo “sem resolução de mérito”, ou seja, o fundamento utilizado para se colocar fim a relação processual eventualmente defeituosa será o art. 485, do CPC, seja pela inépcia ou pela ausência dos pressupostos processuais necessários para o regular desenvolvimento do processo no caso concreto.
Isso significa dizer, portanto, que a decisão que indefere a petição inicial é de natureza meramente processual, que não adentra no mérito da demanda e não faz coisa julgada material, mas apenas formal (veja nosso post sobre coisa julgada material e formal).
2.2 – Improcedência liminar do pedido:
Por outro lado, sendo caso de improcedência do pedido liminarmente, cujo fundamento pode ser encontrado no art. 332, do CPC/15, será hipótese de decisão com resolução de mérito, isto é, com fulcro no art. 487, do CPC.
Quando se tratar de hipótese de improcedência liminar do pedido, a sentença adentrará no mérito, fazendo coisa julgada formal e material.
Portanto, uma vez decidida a matéria e transitada em julgado a decisão, não será possível rediscutir a matéria, ao contrário do que ocorre nos casos de indeferimento da petição inicial, cuja a natureza extintiva é meramente formal.
3 – Ausência de necessidade de instrução probatória:
Para que o pedido seja julgado liminarmente improcedente, além das hipóteses dos incisos do art. 332, do CPC/15, também é necessário que não haja necessidade de dilação probatória (quando a lide versar sobre questão unicamente de direito).
Se houver a necessidade de dilação probatória o processo seguirá seu rito.
4 – Rito e reconhecimento da improcedência liminar do pedido:
A verdade é que a demanda do judiciário é crescente, isso é fato. Dito isso, a legislação, jurisprudência e doutrina têm procurado maneiras de reduzir a ocorrência de novas demandas ou mesmo a duração dos processos, de modo a não atropelar princípios como o devido processo legal, ampla defesa, contraditório e a razoável duração do processo (todos princípios constitucionais).
Trata-se de um enorme desafio. Aos poucos, nosso ordenamento jurídico vem implementando medidas para dar celeridade a marcha processual.
Podemos citar como alguns avanços, a implantação dos processos eletrônicos, ou mesmo o estímulo a resolução consensual dos conflitos (veja nosso post sobre audiência de conciliação).
Outra medida que também teve como finalidade o “encurtamento” da duração do processo judicial foi a implementação no Código de Processo Civil de hipóteses de improcedência liminar do pedido.
Não sendo caso de indeferimento da petição inicial, o juiz, ao analisar o processo, pode verificar que se trata de hipótese de improcedência liminar e, a partir dai, julgar o processo sem a necessidade de citação do réu, sendo intimado apenas do trânsito em julgado da sentença, conforme § 2º, do art. 332, do CPC/15.
5 – Hipóteses de improcedência liminar do pedido:
Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar:
I – enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça;
II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
IV – enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.
§ 1º O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição.
§ 2º Não interposta a apelação, o réu será intimado do trânsito em julgado da sentença, nos termos do art. 241.
§ 3º Interposta a apelação, o juiz poderá retratar-se em 5 (cinco) dias.
§ 4º Se houver retratação, o juiz determinará o prosseguimento do processo, com a citação do réu, e, se não houver retratação, determinará a citação do réu para apresentar contrarrazões, no prazo de 15 (quinze) dias.
Para a facilitar na compreensão da matéria, abordaremos e explicaremos cada uma das hipóteses de improcedência liminar do pedido.
5.1 – Com base em: “enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça” – art. 332, inciso I, do CPC/15:
Não é segredo que o Código de Processo Civil impõe que os Tribunais devem procurar manter sua jurisprudência uniforme, estável e coerente (art. 926, do CPC).
O principal motivo para isso é evitar a tomada de decisões contraditórias ou conflitantes, seja entre Tribunais ou mesmo entre juízes de primeiro grau de um mesmo tribunal.
Óbvio que o objetivo não é tirar a independência do julgador, mas firmar entendimento que, em determinados casos, a demanda tem que seguir um entendimento consolidado pelos Tribunais Superiores.
Isso traz para o processo uma maior segurança jurídica ou mesmo previsibilidade de que, em determinadas lides seu resultado será previsível, evitando, portanto, surpresas e decisões casuísticas.
Dito isso, como vemos acima, a primeira hipótese de improcedência liminar do pedido será quando o pedido for contrário a “enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça” (inciso I, do art. 332, do CPC/15).
Dito isso, podemos dizer que as súmulas são, de certo modo, a máxima expressão do entendimento jurisprudencial de um tribunal (§ 1º, do art. 926, do CPC/15), inclusive o atual CPC deu grande protagonismo para as súmulas, sobretudo as de natureza vinculante (do Supremo Tribunal Federal – STF, claro).
Portanto, com fulcro no inciso I, do art. 332, do CPC/15, é possível que o juiz, em matérias que dispensem dilação probatória, julgue o pedido liminarmente improcedente fazendo, no caso concreto, coisa julgada formal e material (após o trânsito em julgado).
5.2 – Com base em “acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos” – inciso II, do art. 332, do CPC/15:
A segunda hipótese é quando se tratar de pedido contrário a acórdão preferido pelo Supremo Tribunal Federal – STF ou pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, isso, desde que tenha sido proferido em sede recursos repetitivo (art. 1.036, do CPC/15).
“Art. 1.036. Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça”.
Portanto, termos dois requisitos: acórdão proferido pelo STF ou STJ e que tenha sido proferido em sede de recurso repetitivo, nos moldes do art. 1.036, do CPC/15.
5.3 – Quando se tratar de “entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência”:
Nesta terceira hipótese temos 02 (duas) hipóteses que possuem, cada uma, suas peculiaridades.
A primeira possibilidade de improcedência liminar do pedido do inciso III, do art. 332, do CPC/15 é a proposição de ação cujo pedido contrarie entendimento firmado em “resolução de demandas repetitivas”.
O incidente de resolução de demandas repetitivas está disciplinado nos artigos 976 ao 986, do CPC/15, exigindo, para sua instauração, que os processos sejam unicamente de matéria de direito e, de forma cumulativa, risco de ofensa à isonomia e a segurança jurídica (art. 976, do CPC/15).
A segunda possibilidade do inciso III, do art. 332, do CPC/15, é quando se tratar de incidente assunção de competência, sendo disciplinado no art. 9470 do CPC.
Portando, caso tratar de ação cujo pedido esteja em desconformidade com entendimento firmado em sede de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência, caberá a improcedência liminar do pedido, nos termos do inciso III, do art. 332, do CPC/15.
5.4 – quando for hipótese de “enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local” – inciso IV, do inciso do art. 332, do CPC/15:
Os Tribunais de Justiça ou os Tribunais Regionais Federais (e outros) podem editar súmulas para orientar a aplicação e interpretação sobre temas julgados com recorrência naquele tribunal.
Dito isso, também é hipótese de improcedência liminar do pedido ação que contrarie entendimento do Tribunal sobre direito local.
5.5 – Quando for caso de decadência e prescrição:
Por fim, temos situação em que a pretensão do autor prescreveu ou autor decaiu do direito de reclamar.
Nesses casos, poderá também o magistrado negar o prosseguimento da ação, julgando liminarmente improcedente o pedido (art. 332, § 1º, do CPC/15).
É sempre bom destacar que a decadência e prescrição são matérias de ordem pública e podem ser reconhecidas a qualquer momento, inclusive de ofício pelo magistrado.
Portanto, sendo caso de manifesta prescrição ou decadência, o Magistrado deverá julgar liminarmente improcedente o pedido, fazendo coisa julgada formal e material após o trânsito e julgado da ação.
6 – Recurso contra a decisão que indeferir liminarmente o pedido:
O duplo grau de jurisdição é um direito fundamental e mesmo em um rito processual mais “curto”, como é o caso do julgamento de improcedência liminar, existe recurso.
No caso, caberá recurso de apelação, sendo possível que o magistrado se retrate no prazo de 05 (cinco) dias (§ 3º, do art. 332, do CPC/15).
Caso não se retrate, o magistrado mandará citar o réu para que este apresente contrarrazões.
Entendemos que as contrarrazões nesse caso devem contemplar toda e qualquer matéria, inclusive aquelas do art. 337, do CPC/15, pois, caso o Tribunal entenda que a matéria está apta julgamento, ele o fará 1.013, § 3º, do CPC/15.
Entendemos, ainda, que se apenas um dos pedidos for julgado liminarmente improcedente (improcedência liminar parcial), caberá agravo de instrumento, nos termos dos artigos 356, § 5º, 1.015, inciso II, ambos do Código de Processo Civil.
7 – É possível a PROCEDÊNCIA liminar do pedido?
Não existe previsão legal para tanto. Portanto, não será possível que o juiz julgue liminarmente procedente qualquer demanda sem contraditório ou ampla defesa.
De algum modo o réu tomou conhecimento da sentença que julgou a demanda liminarmente improcedente e não concordou com o fundamento. Ele pode recorrer para que o fundamento seja outro?
Supondo que uma demanda foi liminarmente julgada improcedente por contrariar súmula local.
Apesar disso, o requerido na demanda, que tomou conhecimento por outros meios da existência do processo, não concorda com a decisão por acreditar que se trata de hipótese de decadência.
No caso, pode o réu, antes do trânsito em julgado, apelar da decisão ou mesmo opor embargos para reformar a sentença no sentido de o fundamento ser a prescrição?
Entendemos que não. Além da total ausência de previsão legal, o processo judicial deve ser útil.
No caso, o querido na demanda, que sequer faz parte da relação processual (pois não foi citado), não teria interesse de agir, inclusive a decisão não traria nenhum embaraço para aquele que seria o demandado no processo.
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