Reincidência penal (art. 63 do CP): conceito e efeitos

1 – O que seria reincidência para fins penais?

O acusado é “reincidente”! Talvez você já tenha ouvido ou mesmo lido o termo “reincidente”. Provavelmente a maioria compreenda como reincidente o indivíduo que, eventualmente, volta a delinquir. Mas você sabe o que é reincidência para fins penais?

Nosso objetivo aqui é de discutir o conceito legal de reincidência para fins penais e de como tal instituto é interpretado pela doutrina e Tribunais Superiores.

reincidência

2 – Fundamento legal da reincidência criminal – art. 63 do CP:

O fundamento legal de reincidência pode ser extraído do art. 63 do Código Penal – CP.

Aliás, além do mero fundamento legal, o art. 63 do CP traz o conceito sobre o que seria reincidência. Vejamos:

Art. 63 – Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”

Portanto, conforme art. 63 do CP, a reincidência se verifica, sempre que no caso concreto um determinado agente venha a cometer novo delito APÓS o trânsito em julgado do primeiro crime.

Exemplo: agente “A” praticou crime de furto simples no dia 12.01.2012 e foi condenado a pena final de 01 (um) ano, que transitou em julgado no dia 05 de agosto de 2013. No dia 05 de setembro de 2013 “A” veio a praticar novo furto.

Nessa situação, sendo “A” condenado pelo segundo furto, ele será considerado REINCIDENTE, nos moldes do art. 63 do CP.

3 – E caso o agente “A” venha a praticar outro crime antes do trânsito em julgado do primeiro delito?

Imagine o seguinte: “A” praticou o crime de furto qualificado no dia 01 de janeiro de 2015.

A denúncia foi recebida e “A” foi condenado em 01 de junho de 2015, porém apelou da sentença.

Ocorre, que no dia 04 de junho do mesmo ano o agente de nome “A” foi pego dirigindo sob a influência de álcool praticando, em tese, o crime do art. 306 do CTB.

“A” também foi denunciado pelo crime do art. 306 do CTB, sendo sentenciado no 28 de janeiro do ano seguinte.

O juiz aplicou a agravante da reincidência (art. 65, inciso I, do CP).

Conforme exemplo, “A” é reincidente? Agiu bem o Magistrado ao reconhecer a reincidência em razão de “A” responder a outro processo?

Não e não. “A” é o que se chama de “tecnicamente primário”.

Apesar de outro processo em curso, mesmo com sentença condenatória, este não perde sua condição de primário antes do trânsito em julgado.

E mais, somente será considerado para fins de reincidência os fatos típicos praticados após o trânsito em julgado.

Portanto, conforme a situação hipotética acima, “A” é primário para todos os efeitos, não podendo, nesse caso, aplicar a gravante da reincidência ou mesmo considerar os processos ou inquéritos em andamento para agravar a pena-base, conforme súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça – STJ.

Súmula 444 do STJ:

O Superior Tribunal de Justiça – STJ possui entendimento sumulado nos sentido que não se permite que a pena-base seja exasperada apenas pela mera existência de inquéritos penais ou ação penais em curso. Vejamos:

É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base. (Súmula 444, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/04/2010, DJe 13/05/2010)”

4 – Consequências jurídicas da reincidência

O reconhecimento da reincidência no caso concreto atrai uma série de consequências jurídicas, tais como: exasperação da pena-base, circunstância agravante, fixação de regime mais gravoso, progressão de regime mais rigorosa e outras.

O objetivo da reincidência é exatamente esse, isto é, dar um tratamento mais rigoroso ao agente que frequentemente desrespeita as normas penais vigentes.

5 – A reincidência constitui maus antecedentes?

Sim, a reincidência pode ser vista como “maus antecedentes”, afinal, a ideia de “maus antecedentes” é exatamente verificar e analisar o “histórico criminal”, conforme lições de Rogério Greco (2013, p. 564).

Porém, devemos ter cuidado, pois a condenação penal que enseja a reincidência somente poderá ser tida como “maus antecedentes” ou como “agravante genérica”, sob pena de incorrer em de bis in idem, na medida que a pena seria exasperada pelo mesmo fato.

Não obstante, sobre o tema, é importante destacar duas súmulas do STJ que são bastante importantes sobre o assunto, são elas: súmula 241 do STJ e súmula 636 do STJ. Vejamos:

Súmula 241 do STJ

A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial. (Súmula 241, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/08/2000, DJe 15/09/2000)”

Conforme súmula supra, uma condenação penal criminal transitada em julgado somente deverá ser vista como maus antecedentes ou como agravante genérica. Uma ou outra.

Porém, existindo mais de uma, as “sobressalentes” podem ser utilizadas como maus antecedentes, conforme entendimento de Rogério Greco (2013, p. 564).

Ainda sobre o tema, o STJ possui entendimento que condenações penais transitadas em julgado, quando não utilizadas para fins de agravamento da pena, somente poderão ser utilizadas na pena-base no que tange aos “antecedentes criminais”, não sendo aplicáveis as demais circunstâncias judiciais do art. 59 do CP. Vejamos:

maus antecedentes

“Eventuais condenações criminais do réu transitadas em julgado e não utilizadas para caracterizar a reincidência somente podem ser valoradas, na primeira fase da dosimetria, a título de antecedentes criminais, não se admitindo sua utilização também para desvalorar a personalidade ou a conduta social do agente. (STJ. EAREsp 1.311.636-MS, Rel. Min. Reynaldo Soares Da Fonseca, Terceira Seção, por maioria, julgado em 10/04/2019, DJe 26/04/2019). Informativo 647.”

Súmula 636 do STJ:

Saliente-se, que de acordo com a súmula 636 do STJ, basta a folha de antecedentes para comprovar os maus antecedentes e/ou a reincidência. Vejamos:

“A folha de antecedentes criminais é documento suficiente a comprovar os maus antecedentes e a reincidência. (Súmula 636, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/06/2019, DJe 27/06/2019)”

Desse modo, para fins de antecedentes criminais ou de reincidência, basta que se apresente a folha de antecedentes. Simples assim.

6 – Quando o agente deixará de ser considerado reincidente? Art. 64 do CP.

Após condenação criminal transitada em julgado, por quanto tempo o agente será considerado “reincidente”?

Essa pergunta é respondida pela inciso I, do art. 64 do CP, que trata dos efeitos da reincidência. Vejamos:

Art. 64 – Para efeito de reincidência: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

I – não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”

O inciso I, do art. 64 do CP, determina que os efeitos da condenação perdurarão até 05 (cinco) anos o cumprimento efetivo ou extinção da pena.

Exemplo: No ano de 2010, agente “A” foi condenado pela prática de furto simples, recebendo uma pena de 01 (um) ano.

A sentença transitou em julgado. A pena foi efetivamente cumprida e a pena extinta pelo seu cumprimento no em dezembro de 2011.

No ano de 2018, “A” voltou a delinquir e praticou novo furto. Em hipótese de condenação, não incidirão os efeitos da reincidência, pois, da extinção da punibilidade pelo efetivo cumprimento da penal e a nova prática delitiva, já se passaram pouco mais de 05 (cinco) anos.

Porém, o STJ possui julgados no sentido de que o prazo de que fala o inciso I, do art. 64 do CP, somente atinge a reincidência e seus efeitos, podendo, contudo que se utilize condenação penal transitada em julgado anterior (mesmo que extinta há mais de cinco anos) como maus antecedentes, podendo, no caso concreto, constituir elemento indicativo de inidoneidade moral, conforme decisão a seguir.

A existência de condenação criminal transitada em julgado impede o exercício da atividade profissional de vigilante por ausência de idoneidade moral. (STJ. REsp 1.666.294-DF, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 05/09/2019, DJe 11/10/2019. Informativo 658, do STJ”.

De acordo com o informativo destacado, o STJ adota o sistema da perpetuidade. Particularmente discordamos da decisão supra, pois a Constituição Federal veda as penas de caráter perpétuo, portanto, se penas perpétuas são proibidas, qual seria o sentido de seus efeitos se mantenham no tempo ad aeternum? Não há sentido nisso.

7 – Por fim: e se o juiz não reconhecer a reincidência na sentença, é possível seu reconhecimento na fase de execução?

Sim, é plenamente possível de acordo com o STJ. Não para modificar a pena imposta ou o regime de cumprimento de penas, mas para outros fins penais e extrapenais, como a concessão de algum benefício penal, por exemplo. Vejamos:

“O Juízo da Execução pode promover a retificação do atestado de pena para constar a reincidência, com todos os consectários daí decorrentes, ainda que não esteja reconhecida expressamente na sentença penal condenatória transitada em julgado. (STJ. EREsp 1.738.968-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, Terceira Seção, por maioria, julgado em 27/11/2019, DJe 17/12/2019) Informativo 662.”

Veja mais em:

Petição para informar endereço do réu – CPC/15

Crime tentado (art. 14, inciso II, do CP)

São excludentes de ilicitude – (art. 23 do Código Penal)

Quais são os crimes hediondos (Lei 8.072/90)?

RESE: Recurso em sentido estrito (art. 581 CPP)

Fontes:

Súmula 444 do STJ

Súmula 636 do STJ

Bibliografia:

GRECO, Rogério. CURSO DE DIREITO PENAL. -15. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2013.

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