1 – Lei de crimes hediondos: Lei 8.072/90
Os crimes hediondos são tipos penais que são considerados pelo legislador como mais graves e que por conta do bem jurídico envolvido ou mesmo pelo modo execução são tidos como tipos penais mais gravosos e que merecem maior repreensão e reprovação penal.
Em se tratando de crimes de natureza hedionda, a legislação prevê um tratamento mais rigoroso, o que se traduz em condições mais rígidas para progressão de regime ou mesmo o enrijecimento das condições para concessão de outras benesses penais (livramento condicional, por exemplo).
Os crimes hediondos estão expressamente elencados no rol do art. 1º da Lei 8.072/90 e parágrafo único do mesmo artigo, da chamada Lei de crimes hediondos.
Desde que entrou em vigor a lei de crimes hediondos experienciou diversas modificações legislativas para fins de alteração e inclusão de tipos penais.
A legislação elenca um rol de crimes que são os chamados “crimes hediondos”.
A Lei 8.072/90, apesar de curta possui grande relevância no direito brasileiro, seja porque elenca os delitos que devem ser tratados como maior rigor ou mesmo por versar sobre alguns aspectos processuais e direito material.
Não obstante, mesmo sendo a legislação com uma redação pequena, a Lei 8.072/90 causou e causa bastante controvérsia no meio jurídico devido a interpretação que os Tribunais Superiores deram nos últimos anos, como é o caso da obrigatoriedade de imposição de regime inicialmente fechado previsto no art. 2º, § 1º da referida lei, que foi considerado inconstitucional.
Para além disso, nesta publicação veremos quais são os crimes que são tidos como hediondos e os que são equiparados a hediondo, conforme lei de crimes hediondos.
2 – O que é crime hediondo?
A legislação penal não traz um conceito para “o que é crime hediondo”.
Porém, como já dito acima, crime hediondo é aquele cuja a prática delitiva ou mesmo o modo de execução, bem como os bens jurídicos ora envolvidos, fazem com que determinadas condutas sejam (aos olhos da lei) tipos penais mais gravosos.
Dada essa gravidade abstrata elevada, os crimes hediondos devem ser tratados com maior rigor. Exemplo: conforme vimos em nosso post sobre progressão de pena após o pacote anticrime, guando se tratar de crimes hediondos, o lapso temporal necessário para progressão de pena será de 40% (quarenta por cento), se o réu for primário.
3 – Rol de crime hediondos – art. 1º da Lei 8.072/90:
Inicialmente, devemos destacar que o rol de crimes hediondos foi substancialmente modificado desde o início de sua vigência. E mais, o pacote anticrime modificou sobremaneira o mencionado rol.
Por isso, se estiver atuando em um processo que apure a prática de crime de natureza hedionda, verifique a data do fato. Isso será importante para saber se à época do suposto cometimento do delito tal fato já era considerado como crime hediondo.
3.1 – Dito isso, são crimes hediondos – conforme art. 1º da Lei 8.072/90:
I – Homicídio:
O crime homicídio será hediondo quando for praticado por agente (mesmo que por apenas um) no contexto de “grupo de extermínio” e quando se tratar de homicídio qualificado. Fundamento ➝ inciso I, do art. 1º, da Lei de crimes hediondos.
II – Lesão corporal de natureza dolosa, desde que seja de do tipo gravíssima (na forma do § 2º, do art. 129 do Código Penal) e que seja praticada em face dos agentes descritos “agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição;”. Fundamento ➝ inciso I-A, do art. 1º, da Lei de crimes hediondos.
III – crime de roubo – quando praticado nas seguintes circunstâncias ou resultado:
a) – quando a vítima tiver sua liberdade restringida (art. 157, § 2º, inciso V do Código Penal);
b) – roubo praticado com “emprego de arma de fogo” (art. 157, § 2º-A, inciso I, do CP) e “arma de fogo de uso permitido” (art. 157, § 2º-B, do CP).
c) – sempre que da prática do crime de roubo resultar em lesões de natureza grave ou mesmo morte (latrocínio), conforme art. 157, § 3º, do CP;
Fundamento ➝ inciso II, do art. 1º, da Lei de crimes hediondos.
IV – prática de crime de “extorsão qualificada pela restrição de liberdade da vítima”, desde que acarrete em morte ou lesão corporal, nos termos do art. 158, § 3º, do Código Penal. Fundamento ➝ inciso III, do art. 1º, da Lei de crimes hediondos.
V – na ocorrência de “crime de extorsão mediante sequestro” seja na forma do caput (art. 159 do CP) ou com a incidência das qualificadoras (art. 159, §§ 1º, 2º e 3º, do CP). Fundamento ➝ inciso IV, do art. 1º da Lei de crimes hediondos.
VI – crime de estupro, previsto no art. 213 do CP, seja na forma do caput ou dos §§ 1º e 2º, do CP. Fundamento ➝ inciso V, do art. 1º da Lei de crimes hediondos.
VII – na hipótese de estupro de vulnerável, previsto no art. 217-A na forma do caput e §§ 1º, 2º, 3º e 4º. Fundamento ➝ inciso VI, do art. 1º da Lei de crimes hediondos.
VIII – crime de “epidemia com resultado morte”, na forma do art. 267, § 1º, do CP. Fundamento ➝ inciso VII, do art. 1º da Lei de crimes hediondos.
IX – pela prática de “falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1º, § 1º-A e § 1º-B,”. Fundamento ➝ inciso VII-B, do art. 1º da Lei de crimes hediondos.
X – pela prática de “favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º)”. Fundamento ➝ inciso VIII, do art. 1º da Lei de crimes hediondos.
XI – crime de furto qualificado pela utilização ou mesmo emprego de explosivos (ou artefato análogo) que “cause perigo comum”, nos moldes do art. 155, § 4º-A, do Código Penal. Fundamento ➝ inciso IX, do art. 1º da Lei de crimes hediondos.
Também são crimes hediondos, conforme parágrafo único do art. 1º da Lei de Crimes hediondos:
Também serão crimes hediondos, conforme parágrafo único do art. 1º, da lei 8.072/90, os seguintes crimes (atenção, a redação do mencionado parágrafo foi substancialmente modificada pelo pacote anticrime):
“I – o crime de genocídio, previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
II – o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido, previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
III – o crime de comércio ilegal de armas de fogo, previsto no art. 17 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
IV – o crime de tráfico internacional de arma de fogo, acessório ou munição, previsto no art. 18 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
V – o crime de organização criminosa, quando direcionado à prática de crime hediondo ou equiparado. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)”
4 – Crimes equiparados aos crimes hediondos:
Os crimes listados no art. 1º da Lei 8.072/90 são aqueles que, expressamente, são tidos como crimes hediondos dada a natureza dos bens jurídicos tutelados e especial gravidade.
Porém, para além disso, existe ainda os chamados crimes equiparados aos crimes hediondos.
A CF/88, no inciso XLIII, do art. 5º, bem como o art. 2º da Lei 8.072/90, equiparam os crimes de tortura, tráfico de drogas e terrorismo aos crimes hediondos, tratando estes como se fossem, de fato, crimes hediondos.
É importante destacar que o crime de tráfico de drogas em sua modalidade privilegiada (art. 33, § 4º, da Lei de drogas) não é compatível com a hediondez, pois se trata de figura típica menos gravosa, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal – STF (HC 118533, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 23/06/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-199 DIVULG 16-09-2016 PUBLIC 19-09-2016).
5 – Não será possível a concessão de graça, anistia ou indulto:
O inciso XLIII, do art. 5º da CF/88 veda, expressamente, a concessão de graça e anistia aos condenados por crimes hediondos ou crimes equiparados a hediondo.
A lei de crimes hediondos (em seu art. 2º, inciso I) também veda tal benesse e ainda inclui o indulto.
Quando questionada a constitucionalidade do inciso I, do art. 2º da Lei de crimes hediondos, o STF entendeu que o mencionado inciso é constitucional (HC 77528, Relator(a): SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 18/02/1999, DJ 22-10-1999 PP-00058 EMENT VOL-01968-02 PP-00285).
No mais, apesar de a Constituição Federal apenas vedar a concessão de graça e anistia, o STF entende que tal proibição também se aplica ao indulto, na medida que este, conforme STF, é um desdobramento da graça (HC 115099, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 19/02/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-049 DIVULG 13-03-2013 PUBLIC 14-03-2013).
Assim, para o STF, é inconstitucional a concessão de indulto aos condenados por crimes hediondos ou equiparados (ADI 2795 MC, Relator(a): MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 08/05/2003, DJ 20-06-2003 PP-00057 EMENT VOL-02115-22 PP-04558 JBC n. 49, 2004, p. 87-90).
6 – Obrigatoriedade de cumprimento de pena em regime inicialmente fechado:
A lei de crimes hediondos (lei 8.072/90), em seu § 2º, do art. 2º, prevê que o regime inicial de cumprimento de pena será, obrigatoriamente, o fechado.
Ocorre, que no ano de 2012 o STF, de forma incidental, declarou que tal obrigatoriedade seria inconstitucional, uma vez que feriria a individualização na pena (HC 114568, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 16/10/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-220 DIVULG 07-11-2012 PUBLIC 08-11-2012).
Antes de tal decisão, bastava que o agente fosse condenado em crime um crime hediondo ou equiparado para que o regime inicial de cumprimento de pena fosse o fechado, independentemente do quantum da pena.
Era muito comum que o agente condenado, por exemplo, por tráfico de drogas ficasse em regime fechado, mesmo que fosse condenado no mínimo legal (05 anos).
E mais, mesmo em caso de tráfico privilegiado (causa de redução de pena), o indivíduo deveria iniciar o regime de cumprimento de pena em, inicialmente, fechado de forma obrigatória.
Ante tal situação, o STF passou a entender que essa obrigatoriedade seria inconstitucional, devendo que, no caso concreto, o magistrado fundamente a necessidade de início de cumprimento de pena em regime inicialmente fechado.
Portanto, é possível a aplicação de regime inicialmente fechado nos crimes hediondos, mesmo que a pena final permita regime mais brando, porém, para isso, é necessário que o juiz fundamente tal imposição.
7 – Exemplo de crime hediondo – exemplo:
“A”, brasileiro, solteiro, sem profissão declarada, foi preso em flagrante pela suposta prática de homicídio qualificado pelo motivo fútil, nos termos do art. 121, § 2º, inciso II, do CP.
“A” foi regularmente processado e condenado pela prática do referido crime. A pena final ficou em 12 (doze) anos. O regime inicial de cumprimento de pena aplicado foi o inicialmente fechado.
A sentença condenatória transitou em julgado.
Nesse caso, temos um nítido exemplo de crime hediondo.
Veja mais posts em:
Conceitos de consumidor e fornecedor (artigos 2 e 3 do CDC)
Confissão no direito penal e processual penal
Arquivamento do inquérito policial – art. 28, do CPP
Habeas Corpus – art. 5º, inciso LXVIII, da CF/88
Preparo recursal (art. 1.007 do CPC/15)