1 – Vamos falar um pouco sobre o inquérito policial, após o pacote anticrime:
Antes de adentrar no assunto “arquivamento do inquérito policial” devemos rever alguns conceitos e terminologias importantes. De início, devemos relembrar que o inquérito policial é um “procedimento administrativo”, ou seja, não é judicial, mas administrativo, que possui natureza inquisitiva conforme se pode extrair dos ensinamentos do Renato Brasileiro (2017, p. 105).
O inquérito policial esta regulamentado no Título II, do Código de Processo Penal, nos artigos 4º ao 23.
2 – O inquérito pode ser iniciado:
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De ofício – (art. 5º, inciso I, do CPP);
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Requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público – (art. 5º, inciso II, do CPP);
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Requerimento do ofendido (ou de seu representante) – (art. 5º, do inciso II, do CPP);
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Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de crime – (art. 5º, § 3º, do CPP);
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O requerimento de abertura do inquérito do inciso II, do art. 5º, do CPP, deve atender aos requisitos do § 1º, do art. 5º, também do CPP. Assim, o requerimento deve conter:
I – “a narração do fato, com todas as circunstâncias;” – (art. 5º, § 1º, alínea “a”, do CPP);
II – “a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer;” – (art. 5º, § 1º, alínea “b”, do CPP);
III – “a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e residência.” – (art. 5º, § 1º, alínea “c”, do CPP);
Caso o requerimento de abertura do inquérito não seja acatado pelo delegado responsável, caberá recurso ao Chefe de Polícia (art. 5º, do § 2º, do CPP).
Concluído o inquérito policial, o delegado competente fará um relatório minucioso e o enviará a autoridade competente (art. 10, § 1º, do CPP). No relatório, o delegado indiciará (ou não) o investigado a depender do apurado e se há provas de materialidade e indícios (mesmo que mínimos) de autoria.
3 – Arquivamento do inquérito policial – art. 28 CPP:
Já vimos o básico sobre o inquérito policial. Também vimos que após a conclusão do inquérito este será remetido para a autoridade competente.
Essa autoridade é o Juiz responsável para eventual julgamento daquele fato que, sem fazer qualquer juízo de valor, deve remetê-lo para o Promotor de Justiça competente.
Salientamos, que a opinião exposta pelo delegado não vincula o Juiz ou Promotor de Justiça.
Após recebimento do inquérito policial pelo Promotor competente, este analisará o procedimento e poderá:
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Requerer novas diligências, nos termos do art. 16, do CPP;
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Oferecer denúncia (aqui entra a possibilidade de transação penal, quando cabível);
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Requerer o arquivamento – art. 28 CPP;
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4 – Aqui começa o problema: arquivamento do art. 28 do CPP conforme antiga redação e arquivamento após o pacote anticrime.
Apesar da nova redação do art. 28 do CPP (dada pelo pacote anticrime), sua eficácia está suspensa por força de decisão proferida na Ação de Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 6298, do Distrito Federal, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que entendeu por bem, suspender a nova redação do art. 28 do CPP e outros, conforme se pode verificar AQUI.
Portanto, apesar do pacote anticrime, a nova redação do art. 28 está suspensa, vigendo, por força de decisão judicial do STF a antiga redação do art. 28 do CPP. Portando, veremos as duas hipóteses.
Salientamos, mais uma vez, que o novo art. 28 do CPP está suspenso e o arquivamento (por ora) se dará na forma do art. 28 antigo.
5 – Por quais razões o inquérito pode ser arquivado:
O Ministério Público ao analisar o procedimento deverá verificar se existe materialidade e indícios (mesmo que mínimos) de autoria aptos a ensejar a propositura de uma ação penal.
Caso não seja possível verificar a ocorrência de lastro probatório mínimo da existência do crime (materialidade) e autoria, o representante do MP poderá requerer o arquivamento do inquérito, que será analisado pelo Magistrado competente para fins de homologação ou remessa do feito para o Procurador de Justiça (nos termos do antigo art. 28 do CPP, que ainda está vigente por força de decisão judicial)
Com a nova redação do art. 28 do CPP (suspensa), o próprio membro do MP ordenará o arquivamento (conforme nova redação do art. 28 do CPP – que está suspensa), sendo possível a revisão pelo próprio órgão.
A ausência de representação (nas ações penais públicas condicionadas a representação) também pode ensejar o arquivamento do inquérito. A prescrição, decadência, atipicidade ou mesmo causa notória de excludente de ilicitude, podem também ensejar o arquivamento.
6 – Como era o arquivamento do inquérito policial antes do pacote anticrime? – AINDA VIGENTE POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL – ATENÇÃO
Agora adentraremos no assunto principal do tema, qual seja, a possibilidade de arquivamento do inquérito policial e quem é responsável para promovê-lo.
Um tema sempre muito recorrente em provas diz respeito ao procedimento de arquivamento do inquérito policial e acerca de quem é responsável pelo arquivamento. Antes do pacote anticrime, o procedimento de arquivamento do inquérito policial funcionava do seguinte modo (ainda vigente por força de decisão em medida cautelar – veja aqui).
➜ Delegado remete o inquérito para autoridade competente, que deverá dar vista ao Ministério Público, que por sua vez poderá: oferecer denúncia ou requerer ao Juiz o arquivamento do inquérito.
Caso o Juiz discordasse do arquivamento, remeterá o inquérito ao Procurador de Justiça para que este ofereça denúncia, designe outro Promotor para oferecer ou insistir no arquivamento.
O fundamento para isso está na antiga redação do art. 28, do CPP. A redação anterior causa críticas por conta da atuação ativa do Magistrado ante a possibilidade de insistir no oferecimento da denúncia, pois, no entender de alguns doutrinadores, isso feriria o sistema acusatório.
Inclusive, o art. 3-A, do CPP (inserido pelo pacote anticrime) reforça a ideia de que o processo tem natureza acusatória, sendo limitada a atuação do juiz na fase investigatória.
7 – Como ficou o procedimento de arquivamento do inquérito policial após o pacote anticrime? EFICÁCIA SUSPENSA POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL – ATENÇÃO!
Após a Lei nº 13.964/2019 (pacote anticrime), o procedimento de arquivamento do inquérito policial foi alterado. Anteriormente, o Ministério Público fazia o pedido de arquivamento ao Juiz, que poderia acatar ou insistir no arquivamento, com remessa dos autos para o PJ.
Com a nova redação do art. 28 do CPP (que se encontra suspensa), o Promotor responsável ORDENARÁ o arquivamento do feito, existindo a possibilidade de revisão por orgão do próprio MP
“Art. 28. Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o órgão do Ministério Público comunicará à vítima, ao investigado e à autoridade policial e encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de homologação, na forma da lei.”
Com a nova redação do art. 28, do CPP, o Promotor de Justiça poderá ordenar o arquivamento do inquérito e, nessa hipótese, comunicará: a vítima, investigado e à autoridade policial. Após, remeterá o procedimento para fins de revisão do arquivamento pelo órgão ministerial.
Possibilidade de recurso (art. 28, § 1º, do CPP):
Sendo notificada, e a vítima não concordando com o arquivamento do feito pelo Ministério Público, poderá, no prazo de 30 dias, requerer a revisão do arquivamento pelo órgão ministerial competente.
8 – Caso fictício: considerando a plena vigência do novo art. 28 do CPP (que se encontra suspenso por força de decisão judicial):
“H” brasileiro, solteiro, estudante, 20 anos de idade, brigou com sua namorada de nome “M” em um bar na rua “Confusões”. Durante a confusão, “H” preferiu injúria em face de “M”, sendo preso em flagrante pela prática de injúria (art. 140, do Código Penal) no âmbito da Lei Maria da Penha.
Foi aberto inquérito para apurar o feito. Em sede de inquérito, “M” disse explicitamente que não desejava representar em face de “H”. O inquérito foi concluído e remetido para a autoridade competente.
De posse do procedimento inquisitivo, o Promotor competente ordenou o arquivamento do inquérito policial por inquestionável ausência de condição de procedibilidade, uma vez que a vítima não representou criminalmente contra o réu.
Apenas para frisar, o inquérito sequer deveria ter sido aberto sem a representação da vítima (art. 5º, § 4º, do CPP). Mas utilizamos esse exemplo apenas para ilustrar uma hipótese clara de arquivamento do inquérito.
9 – Por fim:
Como se pode ver, infelizmente, por ora, a eficácia do art. 28 do CPP encontra-se suspenso por força de decisão do Supremo Tribunal Federal (veja aqui), portanto, o arquivamento deverá seguir a antiga redação do art. 28, do CPP.
Assim, o arquivamento do inquérito policial será arquivado somente após pedido expresso do Promotor de Justiça, que será apreciado pelo poder judiciário, que poderá concordar e homologar o arquivamento, ou insistir no oferecimento da denúncia com a possibilidade de remessa do feito ao Procurador de Justiça para que este se manifeste sobre o arquivamento, ofereça denúncia ou que designe promotor para oferecer denúncia.
No mais, o pedido de arquivamento não compete ao Delegado (art. 17, do CPP) ou ao Juiz, mas ao membro do Ministério Público (art. 28 CPP).
Saliente-se, mais uma vez, que por ora, o procedimento de arquivamento é o da antiga redação do art. 28 do CPP. Tão logo seja regulamenta a nova redação do art. 28 do CPP, atualizaremos este post.
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Fontes:
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal: volume único/Renato Brasileiro de Lima – 5. ed. rev. ampl. e atual.- Salvador: Ed. JusPodivm, 2017.