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Habeas Corpus – art. 5º, inciso LXVIII, da CF/88

Habeas Corpus

1 – O que é Habeas Corpus?

Qual a natureza jurídica do Habeas Corpus? Ao contrário do que muitos pensam, o Habeas Corpus não é recurso.

Isso mesmo, o Habeas Corpus, ou apenas HC (para os mais íntimos), não é um recurso processual penal, apesar da natureza eminentemente penal.

Então, o que é Habeas Corpus? Para a doutrina majoritária (DANTAS, 2015, p. 336), o HC é uma ação autônoma de natureza constitucional, simples assim. Portanto, trata-se de ação autônoma que tem como objetivo resguardar a liberdade do indivíduo nas hipóteses legais de cabimento.

O Habeas Corpus é uma dos mais antigos meios para combater arbitrariedades praticadas pelo Estado em face do indivíduo, de modo a garantir a plena liberdade e opor-se a opressão praticada em face das liberdades individuais (liberdade, nesse caso).

O fato é que a ideia de liberdade e garantia de liberdade evoluíram com os anos e hoje são tidas como valores inalienáveis e que possuem grande relevância no ordenamento jurídico pátrio. Atualmente, são tidas como direitos fundamentais (art. 5º, da CF/88).

O tema “habeas corpus”, melhor, a pergunta “o que é habeas corpus?” desperta um debate bastante rico, além de instigante.

Desse modo, nesse post tentaremos responder aos questionamentos mais pertinentes sobre o tema, não se propondo, de maneira alguma, a esgotar o tema.

Afinal, existem livros inteiros que se dedicam apenas a estudar e discutir o referido remédio constitucional.

Não obstante, logo mais abaixo abordaremos alguns dos pontos mais relevantes sobre o tema. Vejamos.

2 – Nomenclaturas: impetrante, impetrado e paciente.

A ação constitucional denominada de Habeas Corpus possui nomenclaturas que merecem destaque.

Paciente: indivíduo que está sofrendo ou na iminência de sofrer coação ilegal e que será beneficiado com eventual ordem de Habeas Corpus..

Impetrante: aquele que assina o Habeas Corpus.

Impetrado: será a autoridade coatora;

3 – Fundamento legal do Habeas Corpus:

O fundamento do HC pode ser encontrado na Constituição Federal de 1988 – CF/88 e no Código de Processo Penal – CPP.

Na Constituição, o HC está amparado no inciso LXVIII, do art. 5º. No CPP, o HC encontra asteio no art. 647. Vejamos:

Art. 5º, da CF/88º

[…]

LXVIII – conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;”

Art. 647. Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.”

 

Saliente-se, que apesar de o HC estar incurso no art. 5ª, da CF/88, ele não se trata de direito material em si, mas um “remédio constitucional” que tem como finalidade combater a ilegalidade e abuso de poder de modo a “garantir” a liberdade do indivíduo (existem outros remédios constitucionais – Mandado de segurança, Habeas Data e outros).

Inobstante, essencialmente, o mandamus (HC) será concedido sempre que alguém:

Tiver seu direito de ir e vir violado ou ameaçado;

Mediante ilegalidade ou abuso de poder;

Sobre a ilegalidade da coação (violação da liberdade ou ameaça de violação), o art. 648, do CPP, elenca um rol de situações que poderão ensejar em uma situação de ilegalidade ou abuso. Vejamos:

Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal:

I – quando não houver justa causa;

II – quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei;

III – quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo;

IV – quando houver cessado o motivo que autorizou a coação;

V – quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza;

VI – quando o processo for manifestamente nulo;

VII – quando extinta a punibilidade.”

Como podemos ver, o art. 648, do CPP, enumera sete situações que poderão ensejar em ilegalidade. Vejamos:

4 – Ausência de justa causa – inciso I, do art. 647, do CPP:

 

4.1 – Ausência de justa causa:

No inciso I, do art. 648, do CPP, ou seja, “quando não houver justa causa”, pode-se inferir que diz respeito ao processo ou prisão em que nítida ausência de indícios mínimos de autoria e/ou materialidade.

Exemplo: indivíduo denunciado por crime que nitidade não participou ou teve qualquer envolvimento. Cabe, em tese, Habeas Corpus com fundamento no inciso I, do art. 647, do CPP. Existindo indícios mínimos o processo deve prosseguir.

4.2 – Prisão por mais tempo do que determina a lei (art. 647, inciso II, do CPP):

Trata-se de questão, via de regra, bastante objetiva. Sempre que alguém estiver mais preso por mais tempo do que o que determina a lei, será cabível Habeas Corpus.

A prisão ilegal será imediatamente relaxada (art. 5º, do inciso LXV, da CF/88). No caso concreto, várias situações poderão ensejar a impetração do mandamus.

Exemplo: indivíduo preso em regime diverso do que a lei determina sem justificativa.

Nada impede que também haja excesso na duração da prisão preventiva.

Como se sabe, o pacote anticrime fixou prazo de 90 (noventa) dias para a reavaliação da prisão preventiva, conforme parágrafo único do art. 16, do CPP (o relaxamento não será automático, devendo que o magistrado seja provocado para se manifestar sobre a necessidade de manutenção da prisão, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal – STF).

4.3 – Quando a prisão for ordenada por autoridade incompetente – art. 647, inciso III, do CPP:

Caso a prisão seja decretada por quem não tem autoridade para tanto ou quando se tratar de autoridade incompetente, será possível a concessão de HC.

Exemplo: prisão expedida por Juiz Estadual, quando na verdade o juízo competente seria o Juiz Federal daquela circunscrição.

4.4 – Quando os motivos da prisão desaparecerem – inciso IV, do art. 647, do CPP:

O processo deve ter uma razoável duração (inciso LXXVIII, do art. 5º, da CF/88). Não se pode permitir que a instrução processual e as medidas cautelares se protraiam por tempo indefinido.

Desse modo, a manutenção da prisão preventiva no tempo deve ser justificada, não a toa que o pacote anticrime inseriu um lapso temporal de referência para se reavaliar a necessidade de subsistência da prisão.

Conforme inciso LXI, do art. 5º, da Constituição Federal de 1988 – CF/88, “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária”.

Desse modo, a prisão preventiva (ou temporária) será fundada em motivos razoáveis e aptos a ensejar a prisão cautelar em face de determinado indivíduo. Pode acontecer de tais motivos, no curso do processo, desapareçam e, nessa hipótese, a prisão deve ser revogada.

 

4.5 – Manutenção da prisão quando a lei permitir o pagamento de fiança – art. 647, inciso V, do CPP:

A prisão cautelar deve ser fundada em razões plausíveis e somente decretada em situações que não se pode substituir a prisão por outras medidas cautelares diversas da prisão.

Desse modo, existem situações em que é plenamente possível a concessão de liberdade provisória mediante o pagamento de fiança.

Aliás, existem situações em que a lei manda que a autoridade, como regra, fixe fiança para a concessão da liberdade.

Como exemplo, podemos citar os crimes com pena máxima inferior a até 04 (quatro) anos, sendo, em tal hipótese, cabível a concessão pela própria autoridade policial (art. 322, do CPP).

Nos demais casos, a fiança somente será concedida pelo Magistrado competente.

Assim sendo, desde que o caso autorize a concessão de liberdade provisória mediante o pagamento de fiança, o juiz deverá concedê-la (art. 321, do CPP).

Portanto, com fulcro no art. 647, inciso V, do CPP, a não concessão de fiança nos casos em que a lei autoriza ensejará a impetração de habeas corpus.

4.6 – Quando o processo for manifestamente nulo – art. 647, inciso VI, do CPP:

Imagine que determinado ato foi praticado em desacordo com a lei, ferindo de modo inconteste a legislação vigente.

Exemplo: não oitiva do réu ao final, apesar de presente e de expressamente requerido pelo defensor.

O inciso VI, do art. 647, do CPP, diz respeito a qualquer ilegalidade que possa culminar na nulidade do processo.

4.7 – Na hipótese de extinção de punibilidade – art. 647, inciso VII, do CPP:

Sempre que o processo ou investigação iniciar ou prosseguir estando a punibilidade extinta, caberá HC.

Para saber se determinada situação está incursa em hipótese de extinção de punibilidade basta consultar o art. 107, do Código Penal. Vejamos:

Art. 107 – Extingue-se a punibilidade: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

I – pela morte do agente;

II – pela anistia, graça ou indulto;

III – pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;

IV – pela prescrição, decadência ou perempção;

V – pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada;

VI – pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite;

VII – (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)

VIII – (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)

IX – pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.”

 

Portanto, presentes uma ou mais hipóteses do art. 107, do CP, será cabível a concessão de habeas corpus para trancar o andamento ou prosseguimento do feito.

Exemplo: ação penal que tem como objeto apurar crime já prescrito.

Apesar do rol do art. 648, do CPP, outras situações podem ser reconhecidas no caso concreto como ilegalidade ou abuso de poder.

Saliente-se, ainda, que o Habeas Corpus somente será conhecido (apreciado) se a matéria impugnada tiver sido objeto de questionamento perante o juízo competente (explicaremos melhor logo mais), salvo nas hipóteses de flagrante ilegalidade.

5 – Tipos de Habeas Corpus:

O Habeas Corpus possui uma série de nuances que devem um merecido destaque. Sendo ação autônoma, o fundamento para a concessão do mandamus pode ser com base em violência atual ou iminente.

Desse modo, o mencionado remédio constitucional comporta os seguintes tipos de habeas corpus:

5.1 – Habeas Corpus preventivo:

Há situações em que o paciente (aquele que eventualmente será beneficiado pelo remédio constitucional) esteja na iminência de sofrer coação ilegal.

Ninguém deve ser obrigado a sofrer a coação ilegal para, somente após, pleitear nas vias ordinárias a concessão de sua liberdade ou relaxamento da prisão.

Portanto, sempre que o paciente se ver na iminência de sofrer restrição ilegal de sua liberdade poderá impetrar Habeas Corpus para garantir sua liberdade, garantindo-se, assim, um “salvo-conduto” (DANTAS, 2015, p. 342).

5.2 – Habeas Corpus liberatório (ou repressivo):

Sobre os tipos de habeas corpus, tem-se ainda o chamado habeas corpus liberatório ou repressivo se preferir.

O habeas corpus será do tipo liberatório (ou repressivo) quando se impetra HC objetivando a concessão de alvará de soltura, pois, nesse caso, o paciente já se encontra sob coação ilegal, ou seja, a coação é atual.

É possível que uma prisão legal se torne ilegal no curso do carcerá (desaparecimento dos motivos que ensejaram a prisão, excesso de prazo, prescrição e outros).

É o tipo de habeas corpus mais comum e recorrente no cotidiano judiciário.

5.3 – Habeas Corpus suspensivo:

Ainda sobre os tipos de Habeas Corpus, o do tipo suspensivo será aquele concedido com objetivo de suspender ordem de prisão iminente (ou seja, ordem de prisão ainda não efetivada), conforme lições de Paulo Roberto (2015, p. 342).

6 – Autoridade competente para julgar o Habeas Corpus:

 

Para saber qual será a autoridade competente para apreciar o Habeas Corpus basta identificar qual é a autoridade coatora. Se for o delegado, competirá ao juízo de primeiro grau apreciar o mandamus.

Por outro lado, se a autoridade coatora foi o Juiz de primeiro grau, caberá ao Tribunal de Justiça julgar o HC e assim por diante.

No mais, observar a competência constitucional definida nos artigos 102, 105 e demais da CF.

7 – Legitimidade para impetrar Habeas Corpus:

Considerando a relevância do remédio constitucional em comento, o ordenamento jurídico pátrio entende que qualquer pessoa do povo poderá impetrar habeas corpus (art. 654, do CPP), independentemente de capacidade civil, postulatória ou processual (DANTAS, 2015, p. 342-343; LENZA, 2013, p. 1.115).

8 – Recurso em face da decisão que nega ou concede Habeas Corpus:

Atenção! No que diz respeito a decisão que nega ou concede Habeas Corpus, o recurso cabível dependerá da autoridade que negou e se a decisão foi concessiva ou denegatória da ordem de Habeas Corpus.

Habeas corpus julgado por juiz de primeiro grau: sendo o HC concedido ou negado por juiz de primeiro grau, o recurso cabível em face de tal decisão será o Recurso Em Sentido Estrito – RESE (art. 581, do CPP);

Recurso Ordinário Constitucional: quando a decisão for denegatória – art. 102, inciso II, alínea “a”, da CF/88 e art. 105, inciso II, alínea “a”, da CF/88.

Recurso Especial e Recurso Extraordinário: demais casos, quando cabível (artigos 102 e 105, da CF/88).

9 – Em síntese:

O Habeas Corpus é um remédio constitucional de grande relevância no ordenamento jurídico. Por vezes, diversas teses são fixadas em sede de julgamento de HC.

Entender um pouco mais sobre o mencionado remédio constitucional poderá ser de grande importância no dia a dia forense e, para além disso, pode acabar sendo uma ferramenta que poderá fazer grande diferença para a garantia da liberdade de quem, injustamente, foi preso ou está sendo mantido preso.

Veja mais em:

Modelo de Habeas Corpus – art. 5º, inciso LXVIII, da CF/88

Modelo de mandado de segurança individual – Lei 12.016/2009

Furto praticado durante repouso noturno – § 1º, do art. 155

Petição para informar endereço do réu – CPC/15

Relaxamento de prisão em flagrante (art. 5º, inciso lXI)

Fontes:

DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Direito Processual Constitucional / Paulo Roberto de Figueiredo Dantas. – 6ª. ed. revista e ampliada. – São Paulo: Atlas, 2015.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado / Pedro Lenza. – 17ª. ed. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2013.

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