1 – Litigância de má-fé: objetivo e ocorrência no atual CPC/15:
É sabido que a relação processual cível deve ser regida por princípios e regras. Dentre tais princípios, está o da lealdade processual e o da boa-fé, por exemplo. Assim sendo, é vedado aos litigantes a prática de alguns atos, sob pena de sujeitarem-se a multa por litigância de má-fé, conforme artigos 79 e 80, do Código de Processo Civil – CPC/15.
2 – Dever de reparação pela ocorrência do chamado dano processual pela prática de ato de má-fé (art. 79 do CPC/15):
O diploma processual civil dispõe acerca da eventualidade de responsabilidade civil em caso de ocorrência do chamado dano processual (art. 79 do CPC/15).
O dano processual ocorrerá quando um dos litigantes vier a praticar quaisquer das condutas detalhadas no art. 80 do CPC/15, sendo, nessa hipótese, possível a aplicação da penalidade do art. 81 do CPC.
Então, conforme já referido acima, com fundamento no art. 79 do CPC/15, será possível, que o “autor, réu ou interveniente” seja responsabilizado por eventuais perdas e danos que casualmente venha a provocar, quando agirem imbuídos de “má-fé”.
Portanto, com base no artigo transcrito abaixo:
“Art. 79. Responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como autor, réu ou interveniente.”
Assim, para que reste verificado, no caso concreto, a incidência de dano de natureza processual, condiciona-se o reconhecimento deste a presença efetiva da “má-fé”, ou seja, o artigo supratranscrito exige a incidência de litigância de má-fé.
2.1 – Porém, o que seria litigância de má-fé, conforme CPC/15?
A resposta está no art. 80 do CPC/15, que traz um rol de situações que, se praticadas, ensejarão na ocorrência de ato de litigância de má-fé. Lembrando que se trata de rol taxativo.
3 – Fundamento legal da litigância de má-fé, em espécie – art. 80 do CPC/15:
O art. 80 do CPC/15 elenca, como já mencionado acima, um rol taxativo de situações em que serão considerados atos de litigância de má-fé, puníveis com multa (além da possibilidade de sanções cíveis ou penais, conforme o caso).
Não obstante, são hipótese de litigância de má-fé, com fulcro no art. 80 do códex processual civil:
“Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:
I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
II – alterar a verdade dos fatos;
III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
VI – provocar incidente manifestamente infundado;
VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório”
4 – Requisitos para o reconhecimento de litigância de má-fé:
Há jurisprudência que condiciona o reconhecimento de “má-fé” por parte do autor, réu ou interveniente a conduta fundada em dolo (TJDFT. Acórdão 1309463, 07395620820208070000, Relator: ANA CANTARINO, 5ª Turma Cível, data de julgamento: 9/12/2020, publicado no PJe: 18/12/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada).
Ainda sobre os elementos da chamada litigância de má-fé, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJDFT, entende que:
“[…] Para sua caracterização, é preciso comprovar o improbus litigator, ou seja, a ação maldosa através do dolo ou da culpa, com o propósito de causar um dano processual. […] (Acórdão 1281339, 07120969820188070003, Relator: LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA, 4ª Turma Cível, data de julgamento: 3/9/2020, publicado no PJe: 13/9/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada.)”
Nesse sentido, e conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ, podemos interpretar que conduta dolosa é aquela que com “insistência injustificável” reitera nas condutas do art. 80 do CPC/15 (STJ. EDcl nos EDcl no AgInt nos EAREsp 1257672/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/12/2020, DJe 18/12/2020), além do objetivo (intenção) de causar dano.
5 – São atos que são considerados como litigância de má-fé, em espécie:
Abaixo debateremos quais são os atos que, se praticados com dolo de praticar dano a outrem acarretarão e litigância de má-fé.
5.1 ➜ Se utilizar, seja na petição inicial ou mesmo na defesa, de argumentos contrários a literalidade de lei ou embasado em fato incontroverso – art. 80, inciso I, do CPC/15:
Não há dúvidas de que o chamado “direito de ação” é livre, porém o direito, por mais fundamental que seja, não é absoluto e encontra limitação na própria normal legal.
Por essa e outras razões, existem normas de direito material e processual, que servem de orientação sobre o que deve conter em uma petição inicial (art. 319 do CPC), os deveres das partes, situações que podem acarretar em “má-fé” (art. 80 do CPC) ou mesmo em ato atentatório à dignidade da justiça, com fulcro no § 2º, do art. 77 e demais hipóteses legais.
Não obstante, sobre o rol do art. 80 do CPC/15 (litigância de má-fé), o inciso I, de modo expresso, aborda a vedação de não se utilizar ou mesmo basear sua pretensão em fundamento contrário a lei ou a fato incontroverso, conforme o já mencionado inciso I, do art. 80 do CPC/15.
Trata-se de hipótese que costuma ser de fácil percepção. Normalmente, são nítidas tais ocorrências. Um exemplo, seria a interposição de recurso sem previsão legal, conforme Superior Tribunal de Justiça – STJ (REsp 1654907/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/12/2017, DJe 18/12/2017).
5.2 ➜ Parte que “alterar a verdade dos fatos” – art. 80, inciso II, do CPC/15:
Quando quaisquer das partes vai a juízo e, de modo doloso, altera a verdade dos fatos com objetivo de fazer com que o juízo incorra em erro no julgamento do feito, poderá ser condenado em litigância de má-fé.
Em julgado recente, o STJ entendeu que o autor que omite a existência de inventário anterior para que fosse nomeado inventariante, incorre na hipótese do inciso II, do art. 80 do CPC/15 (AgInt no REsp 1487062/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 28/05/2019, DJe 14/06/2019).
De modo semelhante, entendemos, por exemplo, que o inventariante que omite a existência de bens também incorrerá em litigância de má-fé. Outro exemplo seria o(a) cônjuge que omite a existência de bens a partilhar.
Veja, a causa do inciso II, do art. 80 do CPC/15, pode ser interpretado como qualquer conduta de tenha como objetivo alterar os fatos para prejudicar a(s) outra(s) parte(s).
5.3 ➜ Utilizar processo judicial para objetivos ilícitos – art. 80, inciso III, do CPC/15:
Inicialmente, devemos destacar que o conceito de ilícito adotado pelo inciso III, do art. 80 do CPC/2015 deve ser interpretado em seu amplo sentido. Portanto, ilícito, nesse contexto, compreenderá o ilícito cível, penal, administrativo, tributário e outros.
Assim, toda vez que uma das partes venha a utilizar um processo judicial para obter fins ilícitos incorrerá em litigância de má-fé.
Existe jurisprudência, por exemplo, que entende que a venda de terreno que não é de exclusiva propriedade vendedor (e sem autorização) constitui ato ilícito (TJDFT. Acórdão 1276592, 07075707920188070006, Relator: LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA, 4ª Turma Cível, data de julgamento: 20/8/2020, publicado no DJE: 2/9/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada).
Portanto, conforme exemplo acima, não seria lícito utilizar de processo judicial para validar tal negócio.
5.4 ➜ Parte que opõe “resistência injustificada ao andamento do processo” – inciso IV, do art. 80 do CPC/15:
Sempre que uma ou mais partes, de modo injustificado, se propõe a resistir ao devido andamento processual, objetivando, basicamente, frustrar o andamento deste ou qualquer medida do processo, acarretará em litigância de má-fé.
Se utilizar de recurso para rediscutir matérias já apreciadas com “injustificada resistência ao andamento do processo” (TJDFT. Acórdão 1290608, 07212638020208070000, Relator: CESAR LOYOLA, 2ª Turma Cível, data de julgamento: 7/10/2020, publicado no PJe: 20/10/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada) também se tratará de litigância de má-fé, conforme jurisprudência.
Do mesmo modo, o descumprimento de decisões judiciais também tem o condão de ensejar a incidência de litigância de má-fé (TJDFT. Acórdão 1304178, 07063837420208070003, Relator: EUSTÁQUIO DE CASTRO, 8ª Turma Cível, data de julgamento: 26/11/2020, publicado no DJE: 9/12/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada).
5.5 ➜ Atuar de “modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo” – inciso V, do art. 80 do CPC/15:
Hipótese ampla e subjetiva, portanto deve ser interpretada com bastante cuidado. Assim, temerário pode ser entendido como aquilo que é “descabido”, como, a título de exemplo, se utilizar de agravo de instrumento para discutir decisão já preclusa (TJDFT. Acórdão 1041817, 07005768720178070000, Relator: ANGELO PASSARELI, 5ª Turma Cível, data de julgamento: 23/8/2017, publicado no DJE: 30/8/2017. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
Pode ser que no caso concreto, uma determinada conduta seja considerada como “litigância de má-fé” em uma ou mais situações do art. 80 do CPC/15.
5.6 ➜ “provocar incidente manifestamente infundado” – inciso VI, do art. 80 do CPC/15:
Basicamente, é agir e atuar para criar inconvenientes processuais, de modo a ensejar o elastecimento do processo ou da matéria discutida sem justificativa através de subterfúgios processuais.
Hipótese bastante ampla e que deve ser interpretada com o devido cuidado, sob pena de incorrer em cercamento do direito de ação ou mesmo do direito de defesa das partes.
5.7 ➜ Sempre que uma das partes se utilizar de recursos com fins protelatórios – art. 80, inciso VII, do CPC/15:
Um dos grandes desafios dos tribunais é buscar a redução de recursos com fins meramente protelatórios. Desse modo, a legislação buscou meios para reduzir tais condutas e um dos meios é a aplicação da multa pela prática de ato de litigância de má-fé.
5.8 – Multa contra a parte que praticar quaisquer das condutas que acarretem em litigância de má-fé processual, conforme art. 81 do CPC/15:
Vimos acima as hipóteses e parâmetros para que se reconheça a eventualidade de aplicabilidade da penalidade prevista no art. 81 do CPC/15, isto é, a multa por litigância de má-fé.
A penalidade poderá ser aplicada pelo Magistrado de ofício ou requerimento da parte prejudicada, e variará entre 1% (um por cento) e 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, além da obrigação de indenizar pelos eventuais prejuízos sofridos.
Se o valor atribuído a causa, constitui monta irrisória ou mesmo inestimável, será possível a incidência de multa em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo (§ 2º, do art. 81 do CPC/15).
Então, as consequências pela punição pela prática de litigância de má-fé serão: pagamento de multa, ressarcimento de perdas e danos, bem como de honorários advocatícios. A exigência de multas e indenizações será feita no próprio caderno processual, conforme art. 777 do CPC/15.
5.9 – Mas você sabe a diferença entre litigância de má-fé e ato atentatório à dignidade da justiça?
Ambos buscam evitar que as partes lancem mão de condutas que venha a atrapalhar o bom andamento processual e a lisura do feito. Porém a diferença basicamente, é que nas ocorrências por litigância de má-fé, eventual multa será revertida em prol do autor, enquanto que nos atos atentatórios à dignidade da justiça, a penalidade de multa será destinada, em regra, ao Estado.
Destaque-se que é plenamente possível que uma determinada conduta seja considerada ato atentatório a dignidade da justiça e ao mesmo tempo litigância de má-fé. É o caso, por exemplo, da interposição de recurso para fins meramente protelatórios – parágrafo único, do art. 918 do CPC e art. 80, inciso VII, também do CPC/15.
Veja mais em:
Fase de saneamento do processo civil (art. 357 do CPC/15)
Petição para informar endereço do réu – CPC/15
Representação processual, conforme art. 75 do CPC