1 – Guarda judicial à luz do Código Civil (art. 1.583 do CC):
Um dos temas mais recorrentes em direito de família é a “guarda dos filhos”, principalmente no que diz respeito a quem ficará com eles; se a espécie de guarda é na modalidade compartilhada ou apenas unilateral.
Neste post abordaremos os pontos mais essenciais acerca do tema e tentar esclarecer eventuais dúvidas sobre o assunto “guarda judicial”.
Portanto, aqui discutiremos os seguintes pontos: dever de guarda, guarda prevista no Código Civil de 2002 (CC/02) x guarda inserida no art. 33, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); guarda compartilhada x guarda unilateral e comentar o procedimento para pleitear a guarda ou mesmo regulamentá-la.
Boa leitura!
2- Dever de guarda dos filhos, conforme inciso IV, do art. 1.566, do CC/02
A guarda dos filhos constitui um dos deveres inerentes aos pais, ora previsto no inciso IV, do art. 1566 do CC/02.
Muito embora o referido artigo fale em “ambos os cônjunges”, podendo passar uma falsa percepção de que o dever somente persiste enquanto existir a relação conjugal, essa não é a melhor interpretação, pois a obrigação para com a prole persiste e vai além da relação matrimonial (ou de união).
“Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:
I – […]
IV – sustento, guarda e educação dos filhos;”
Portanto, o deveres de guarda dos filhos, sustento e educação são inerentes aos pais, sendo oriundos do poder familiar e serão exercidos, independentemente, da situação dos consortes, é o que nos ensina os arts. 1632 e 1.634, ambos do CC/02.
Obviamente o encargo da guarda cessa junto com o poder familiar, isto é, aos 18 (dezoito) anos com a maioridade do filho(a), conforme se extrai do art. 1.630 do CC/02, além das hipóteses do art. 1.635, do mesmo diploma legal.
Embora a guarda dos filhos seja dever dos pais (ambos), a nossa legislação permite, em tese, as seguintes modalidades de guarda, sendo elas: compartilhada e a guarda unilateral (abordaremos logo mais) – (art. 1.583 do CC/02), ocorrendo uma relativização desse dever/direito.
Relativização, pois o dever não é desconstituído, mas fica, de certo modo em stand-by e, na ausência do responsável (seja o pai ou genitora) que retêm a guarda, o outro dever tomar a frente (se não for o caso de suspensão ou perda do poder familiar).
3 – Diferença da guarda judicial do Código Civil e da guarda prevista do art. 33 do ECA
Feitos os esclarecimentos acima acerca da base legal do dever de guarda, é importante fazer, ainda, a diferenciação entre a guarda constante no art. 1.583 do CC/02 e da guarda prescrita no art. 33 do ECA.
A guarda prevista no CC/02, assim como aquela prescrita no art. 33 do ECA possuem várias convergências entre si, sendo, basicamente, a mesma.
O que difere entre elas é que o instituto da guarda ora fundado no art. 1.583 do CC/02 visa a regulamentação da guarda entre os progenitores, enquanto que a modalidade de guarda do art. 33 do ECA constitui hipótese de colocação da criança ou adolescente em família substituta (art. 28 do ECA).
Na guarda regulada pelo CC/02 não ocorre a retirada do menor de sua família natural, mas apenas a definição sobre qual genitora exercerá a guarda de fato e direito, podendo, ainda ser compartilhada ou unilateral.
4 – Guarda compartilhada x guarda unilateral
Em continuidade, agora veremos a chamada guarda compartilhada e a guarda unilateral.
Ambos possuem previsão expressa no Código Civil de 2002, tendo a guarda compartilhada sido “reformulada” pelo Lei 13.058/2014, que introduziu, conforme a própria legislação citada, uma acepção para a locução “guarda compartilhada”.
Segundo o art. 1.583 do CC/02:
“Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada”
No entender do Código Civil, a aguarda será exercida de maneira unilateral ou em sua modalidade compartilhada (esta última é a regra, salvo quando as circunstâncias indicarem o contrário).
Mas o que é “guarda unilateral”? E “guarda compartilhada”? A própria legislação nos responde tais questionamentos. Vejamos:
4.1 – Guarda unilateral:
Tal conceito pode ser extraído da primeira parte do § 1º, do art. 1.583, do CC/02, que afirma que quando apenas um dos progenitores ou mesmo quem os substitua, desempenha a guarda estaremos diante da guarda unilateral.
A guarda unilateral não pode e nem deve ser entendida como isenção de responsabilidade de dever da mãe/pai que não detiver a guarda do(a) menor.
Para este ainda persistem outras obrigações, como a de sustento, tendo que prover alimentos.
E mais, este pode visitar a criança.
Além disso, é dever do pai/mãe que não detiver a guarda dos filhos fiscalizar as prioridades da prole (§ 5º, do art. 1.583 do CC/02).
4.2 – Guarda compartilhada:
A concepção está inserta na segunda parte do § 1º, do art. 1.583, do CC/02, que entende como “compartilhada” a modalidade de guarda dos filhos cujo o exercício dos direitos e ônus é feito de modo simultâneo pelos progenitores, embora não convivam na mesma casa.
Além disso, o § 2º, do art. 1.583 do CC/02, determina que na espécie de guarda do tipo “compartilhada” o período de convivência do infante (ou adolescente) com os progenitores deve ser equilibrado, de maneira que cada um conviva com a criança/adolescente de forma ponderada, de modo que a divisão atenda aos interesses da criança/adolescente.
Dificilmente na situação concreta será possível uma divisão igualitária.
A verdade é que prevalecerá o que for mais adequado para a criança/adolescente e havendo litígio, caberá ao Magistrado encontrar a melhor situação no caso concreto.
Segundo o § 3º, do art. 1.583 do CC/02, a fixação da moradia do menor deve, necessariamente, atender aos seus interesses.
Perceba que são questões que devem ser percebidas no caso concreto, o CC/02 apenas prescreve diretrizes que devem ser observadas.
5 – Como requerer a guarda?
A forma de pleitear a guarda dos filhos dependerá se há ou não litígio. Não obstante, a nossa realidade demonstra que, normalmente, os filhos ficam com a genitora e o pai apenas contribui com o sustento, apenas.
Nesses casos, a genitora possui apenas a guarda de fato e não a de direito. É importante regularizar tal situação.
A guarda dos filhos pode ser tratada em ação de guarda (ação autônoma apenas para esse fim), ação de divórcio, ação de reconhecimento e dissolução de união estável e outras afins.
Também é possível que os pais façam acordo nesse sentido, seja através de homologação de acordo judicial ou pedido de homologação transação extrajudicial.
Saliente-se é plenamente possível transigir acerca do direito de guarda, inclusive o próprio Código Civil permite isso, conforme se percebe logo no início o inciso I, do art. 1.584 do CC/02.
Não existido acordo, a lide, isto é, a controvérsia quanto a guarda será decidida pelo Magistrado, nos moldes do inciso II, do art. 1.584, do CC/02.
“Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: (Redação dada pela Lei nº 11.698, de 2008).
I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar; (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).
II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).”
5.1 – Há acordo acerca da guarda da prole (filhos):
Se os pais chegaram a um consenso no que diz respeito a guarda, seja ela guarda unilateral ou guarda compartilhada, é possível apenas a homologação judicial dos termos.
Nessa hipótese, as partes podem formular termo de acordo a apenas requerer sua homologação por juiz competente e assim obter um título judicial.
Também é possível a realização de acordo no curso do processo judicial.
Com certeza é o meio mais simples e menos moroso.
5.2- Há litígio entre os progenitores:
Ante a impossibilidade de acordo quanto a guarda, a medida cabível é a proposição de ação de aguarda (quando não discutida em outras ações: exemplo → ação de divórcio).
Na hipótese de litígio, a guarda será definida pelo magistrado na conforme prescrição inserta no inciso II, do art. 1.584 do CC/02. O magistrado deve decidir o que for mais adequado para o(a) menor.
A regra é a guarda em sua modalidade compartilhada que deixará de ser empregada somente se as circunstâncias não demonstrarem sua viabilidade ou se, mesmo estando presentes, um dos genitores expressar o desinteresse, é o que manda o § 2º, do art. 1.584 do CC/02.
Pode ser que no caso concreto o Magistrado entenda que nem o pai ou mãe não dispõem de condições para possuir a guarda do(a) menor.
Nessa hipótese, poderá conceder para terceiro que tenha interesse (geralmente alguém da família extensa) e que possua afinidade e afetividade, dando preferência ao grau de parentesco (§ 5º, do art. 1.584 do CC/02).