Conceitos de consumidor e fornecedor (artigos 2 e 3 do CDC)

1 – Conceitos de consumidor e fornecedor:

o que é fornecedor

Dentro da seara consumerista, compreender os conceitos de consumidor e fornecedor se mostra essencial para o desenvolvimento de um estudo mais adequado ou mesmo mais eficiente dentro da mencionada matéria.

O dever de promoção da defesa do consumidor possui amparo constitucional (art. 5º, inciso XXXII, da CF/88).

A matéria é tão importante no direito brasileiro que temos um código inteiro voltado para regular a seara consumerista, na medida que institui deveres, direitos e até mesmo figuras típicas (crimes), conforme Lei 8078/90 – Código de Defesa do Consumidor – CDC.

Dito isso, dentro desta sistemática, o CDC também traz alguns conceitos, dentre eles o conceito de consumidor e fornecedor.

Veremos a seguir, de forma mais detalhada, os conceitos de consumidor e fornecedor, nos termos dos artigos 2º e 3º do CDC.

2 – O que é consumidor – art. 2º do CDC?

O conceito de consumidor está esposado no art. 2º do CDC, que possui a seguinte redação:

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.”

Portanto, para que alguém seja considerado consumidor há a necessidade de reunião dos seguintes elementos (conforme art. 2º do CDC).

Pessoa física ou jurídica

Adquire ou utiliza produto ou serviço

Destinatário final

Apesar de parecer algo simples, a doutrina majoritária sustenta que existem duas teorias para explicar o conceito de consumidor, isso porque a parte final do art. 2º do CDC apenas fala em “destinatário final”, o que, no entender da doutrina (GARCIA, 2016, p. 28), torna o conceito de consumidor vago, se mostrando necessário que a doutrina se debruce, de forma mais apurada, acerca deste tema.

Assim, a doutrina converge ao entender que o conceito de consumidor pode ser explicado a partir de duas correntes, sendo elas (GARCIA, 2016, p. 28): a corrente finalista e a corrente maximalista. E mais, há posições no sentido de que é possível o reconhecimento de uma terceira corrente, a chamada (MIRAGEM, 2016, p. 166): interpretação finalista aprofundada.

3 – De modo bem resumido: as corretes que explicam o conceito de consumidor do seguinte modo:

 

3.1 – Corrente finalista:

Para essa corrente, o consumidor é o indivíduo que obtém o produto e/ou serviço para fins domésticos (GARCIA, 2016, p. 28).

Para a corrente finalista, o produto/serviço não pode ser utilizado de outra forma que não para o consumo doméstico (podendo ser para seu consumo ou de sua família).

Caso o produto/serviço adquirido seja utilizado de outro modo, não se poderá falar em consumidor, pelo menos para fins do art. 2º do CDC. 

Via de regra, os Tribunais Superiores adotam a teoria finalista, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ.

[..] A jurisprudência desta Corte Superior consagrou o entendimento de que, via de regra, consumidor é o destinatário final do produto ou serviço (teoria finalista ou subjetiva). […](AgRg no Ag 1248314/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/02/2012, DJe 29/02/2012)”

3.2 – Corrente maximalista:

A corrente maximalista é, como o próprio nome sugere, mais ampla. Para a referida teoria, a concepção de consumidor prevista no art. 2º do CDC, sobretudo no que diz respeito a locução “destinatário final”, deve ser interpretado de modo mais amplo, ou mesmo extensivo (MIRAGEM, 2016, p 169).

Assim sendo, para a corrente maximalista, consumidor é todo consumidor final, pouco importando qual a destinação que ele, o consumidor, dará para o produto ou serviço. Para a doutrina maximalista, pouco importa qual o fim ou destinação o usuário final dará para ao produto ou serviço (GARCIA, 2016, p. 29).

 

3.3 – Corrente finalista aprofundada:

Por fim, temos a chamada teoria finalista aprofunda (ou mitigada). A referida corrente surgiu a partir de situações concretas em que se reconheceu a possibilidade de incidência do Código de Defesa do Consumidor ao adquirente de produto ou serviço que não seja o usuário final, desde que presente uma situação de vulnerabilidade. Vejamos:

“[..]A jurisprudência desta Corte tem mitigado os rigores da teoria finalista para autorizar a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade.[…]” (STJ. AgRg no REsp 1149195/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/06/2013, DJe 01/08/2013)

Quais são esses requisitos? Para incidência da chamada teoria finalista mitigada (ou aprofunda) exige a presença de alguma vulnerabilidade, que pode ser: jurídica, econômica ou técnica, conforme jurisprudência (TJSC, Apelação Cível n. 0501580-46.2012.8.24.0033, de Itajaí, rel. Luiz Cézar Medeiros, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 23-01-2018).

E mais, a jurisprudência tem evoluído, ainda, no aspecto de se reconhecer, no caso concreto, a ocorrência da vulnerabilidade informacional, de modo a também mitigar a chamada corrente finalista ou mitigada. (REsp 1195642/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/11/2012, DJe 21/11/2012).

Em síntese, o consumidor é o destinatário fático final, aquele que retira o produto ou serviço da cadeia de consumo, tendo o condão de esgotar, de pôr um fim, a finalidade econômica do produto/serviço. Assim, nesse caso, aplica-se a chamada teoria finalista.

Porém, excepcionalmente, é possível a aplicação do CDC quando a pessoa jurídica, não sendo a destinatária final, demonstra a ocorrência de alguma vulnerabilidade (jurídica, econômica, técnica ou informacional), nos termos da jurisprudência dominante (REsp 1195642/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/11/2012, DJe 21/11/2012).

 

4 – Tipos de consumidores: consumidor no estrito sentido da palavra e consumidor equiparado:

Vimos acima a forma de se interpretar a conceituação de consumidor, conforme as correntes: finalista, maximalista e finalista mitigada (ou aprofundada).

Porém, além do conceito do art. 2º do CDC, o códex consumerista traz outras hipóteses em que, por força de lei, o indivíduo será considerado consumidor por equiparação.

Portanto, temos os seguintes tipos de consumidores (GARCIA, 2016, p. 37):

    • Consumidor strictu sensu (ou standart) – art. 2º do CDC

    • Consumidor equiparado – são três espécies de consumidor equiparado, conforme: art. 2º, parágrafo único, do CDC, art. 17 do CDC e art. 29 do CDC.

consumidor strictu sensu (ou standart):

É aquele do art. 2º do CDC, conforme explicações já feitas acima.

Consumidor equiparado: em sentido coletivo – parágrafo único, do art. 2º do CDC:

O parágrafo único do art. 2º, do CDC traz o conceito de consumidor em sentido coletivo, que é, basicamente, a equivalência feita por lei para equiparar como consumidor a coletividade (mesmo que indetermináveis) que tenha, de algum modo, participado da relação de consumo. Vejamos:

conceito de fornecedor

Art. 2º, do CDC […]

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

 

Consumidor equiparado (bystander): art. 17 do CDC:

O Código de Defesa do Consumidor determina que todas os indivíduos que, eventualmente sejam vítima em um evento de natureza consumerista, será considerado, para todos os efeitos, consumidor, conforme art. 17 do CDC.

Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.”

A ideia é estender, ou melhor, aplicar o conceito de consumidor para fins de maior proteção em eventos danosos de natureza consumerista que atinja a coletividade.

Assim, mesmo que determinado indivíduo não seja consumidor e venha a ser atingindo, por exemplo, por veículo de transporte que presta um determinado tipo de serviço ao público, poderá ser ressarcido mesmo que não seja consumidor em stricto sensu, pois para o CDC trata-se de consumidor por equiparação, cuja a jurisprudência costuma denominar de bystander.

Consumidor e fornecedor

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. ALEGADO ACIDENTE DE CONSUMO. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE TRANSPORTE DE PESSOAS. ATROPELAMENTO. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. INCIDÊNCIA DO CDC. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL.

1. Demanda indenizatória ajuizada por pedestre atropelado por ônibus durante a prestação do serviço de transporte de pessoas.

2. Enquadramento do demandante atropelado por ônibus coletivo, enquanto vítima de um acidente de consumo, no conceito ampliado de consumidor estabelecido pela regra do art. 17 do CDC (“bystander”), não sendo necessário que os consumidores, usuários do serviço, tenham sido conjuntamente vitimados.

3. A incidência do microssistema normativo do CDC exige apenas a existência de uma relação de consumo sendo prestada no momento do evento danoso contra terceiro (bystander). [..]

(REsp 1787318/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/06/2020, DJe 18/06/2020)”

Consumidor equiparado: art. 29 do CDC – consumidor exposto a determinadas práticas:

A ideia, ou melhor, o conceito de consumidor previsto no art. 29, do CDC é ainda mais amplo, na medida que considera consumidor todas as pessoas, sejam elas determináveis (ou não), que venham a ser exposta a determinadas práticas abusivas (do tipo comerciais).

Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.”

As práticas as quais o artigo 29 se refere são aquelas do capítulo V, do CDC, o que inclui: oferta, publicidade, práticas abusivas e outras. Não há necessidade de relação direta de consumo, basta a mera exposição as práticas previstas no Capítulo V, do CDC.

 

5 – O que é fornecedor – art. 3º do CDC? Conceito de fornecedor.

Feitos os devidos esclarecimentos sobre o que se entende por consumidor (strictu sensu ou equiparado), agora analisaremos o conceito de fornecedor, conforme Código de Defesa do Consumidor, para, assim, conseguir compreender um pouco melhor “o que é fornecedor” e sobre como este aperfeiçoa a relação de consumo.

conceito de fornecedor

O art. 3º do CDC traz um conceito de consumidor, em sua redação. Vejamos:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.”

Portanto, fornecedor é:

    • Toda pessoa física ou jurídica
    • Pública ou privada
    • Nacional ou estrangeira
    • Bem como antes despersonalizados
    • Que desenvolvem atividade de: “produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Porém, assim como ocorre com conceito de consumidor (e suas variações), o conceito de fornecedor não é tão simples assim. Em recente decisão, o STJ reconheceu, de modo expresso, os seguintes subespécies de fornecedores: fornecedor real, fornecedor presumido, fornecedor equiparado e fornecedor aparente (REsp 1.580.432-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, por unanimidade, julgado em 06/12/2018, DJe 04/02/2019).

➜ Fornecedor real:

É o fornecedor propriamente dito, ou seja, aquele que primeiro coloca em disponibilidade o produto ou serviço. A doutrina (GARCIA, 2016, p. 158) entende que o “fabricante, o produtor e o construtor” se enquadram no conceito de fornecedor real.

➜ Fornecedor presumido:

É o responsável por colocar o produto em circulação. O importador e o comerciante são considerados fornecedores presumidos (GARCIA, 2016, p. 158).

 

➜ Fornecedor equiparado:

Subespécie expressamente reconhecida pelo STJ no REsp 1.580.432-SP. Trata-se de agente que atua na cadeia de consumo e aufere lucro (TJ-PE – AC: 4762469 PE, Relator: Stênio José de Sousa Neiva Coêlho, Data de Julgamento: 29/01//2020, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: 07/02/2020).

Contudo, atente-se, que para que reste configurada a figura do fornecedor equiparado se mostra necessário que esse agente demonstre “posição de poder ou influência sobre o consumidor”, conforme entendimento jurisprudencial (Acórdão 1254110, 07274556320198070000, Relator: LEILA ARLANCH, 7ª Turma Cível, data de julgamento: 10/6/2020, publicado no DJE: 19/6/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada).

➜ Fornecedor aparente:

Em síntese, é aquele que não fabrica o produto, mas se apresenta como tal, na medida que insere “nome, marca ou outro sinal de identificação” no produto ou serviço, conforme entendimento do STJ (REsp 1.580.432-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, por unanimidade, julgado em 06/12/2018, DJe 04/02/2019).

Até pode parecer algo estranho, mas é mais comum do que parece. A maioria dos eletrônicos são, muitas das vezes, fabricados por empresas de pequeno porte e apenas recebem nome ou marca de outro fornecedor “mais conhecido”. Também é muito comum com roupas.

Então, nesses casos, o STJ entende que não compete ao fornecedor “investigar” quem seria o fornecedor real, bastando que acione o fornecedor aparente para fins de reparação.

Portanto, o conceito de fornecedor comporta, atualmente, todas as modalidades acima. Entender os conceitos de consumidor e fornecedor tem especial relevância, sobretudo para a determinação se o CDC vai ser aplicado ou não, se se trata ou não de uma relação de consumo, o que impactará sobremaneira no rito, ônus da prova, normas processuais e outros.

 

6 – Como pode ser definida uma relação de consumo?

Pois bem, cientes dos conceitos de consumidor e fornecedor, bem como de todas as suas nuances, a relação de consumo restará consolida sempre que for possível verificar no caso concreto a presença de um consumidor, um fornecedor e a oferta de produto e/ou serviço.

Porém essa relação de consumo poderá variar de acordo com a modalidade de consumidor e fornecedor presentes no caso concreto. Portanto, para verificar se existe relação de consumo o caso concreto deve ser analisado.

Esperamos ter ajudado.

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Referências:

GARCIA, Leonardo de Medeiros. Código de Defesa do Consumidor Comentado: artigo por artigo/Leonardo de Medeiros Garcia – 13. ed. rev. ampl. e atual – Salvador: JusPODIVM, 2016.

MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor/Bruno Miragem. – 6. ed. rev., atual. e ampl.- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.

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