E se o réu não pode pagar advogado e deixa de apresentar resposta à acusação (art. 396 do CPP)?
E se o réu, mesmo devidamente citado, deixa de oferecer resposta à acusação? Ou melhor, e se o réu não pode pagar advogado?
Neste post falaremos sobre a hipótese em que o réu, mesmo citado e ciente do processo, afirma não ter condições de pagar um advogado. Aqui, trataremos desta situação no âmbito processual penal, apenas.
Imagine a seguinte situação:
“A”, brasileiro, solteiro, sem profissão definida, portador do CPF de nº xxxx e RG de nº xxxxx, residente e domiciliado na rua xxxxx, nº xxxx, bairro xxxx, Cidade xxxxx/UF, que atualmente conta com 20 anos, foi formalmente acusado de ter praticado, no dia 01 de abril de 2020, o crime de furto simples.
“A”, foi devidamente citado para responder a acusação, no prazo de 10 (dez) dias, conforme art. 396 do CPP e 396-A do mesmo diploma CPP. Apesar de citado, o réu não apresentou defesa ou constitui advogado, transcorrendo seu prazo para tanto
Réu deixa de apresentar defesa: nessa situação, o que vai acontecer?
Inicialmente, devemos entender que na seara processual penal nenhum indivíduo pode ficar sem a devida defesa, sob pena de eventual condenação ser considerada nula de pleno direito. Então, se o réu não constituir advogado, o que acontece?
A constituição garante a todos o direito ao pleno exercício de sua ampla defesa e ao contraditório, assim como manda o inciso LV, do art. 5º, da Constituição Federal de 1988 – CF/88. No mesmo sentido, o art. 261 do CPP, determina que nenhum indivíduo será processado ou mesmo julgado no âmbito processual penal sem a devida defesa técnica.
Desse modo, obviamente que na sistemática do direito processual penal, sobretudo se considerarmos a gravidade de eventual condenação criminal, o réu não poderá ser processado sem que lhe seja oportunizado o seu direito de defesa.
Portanto, ante a ausência de resposta à acusação do acusado, mesmo devidamente citado, o juiz deverá aplicar o § 2º, do art. 396-A do CPP. No âmbito processual penal não se presume culpa (no amplo sentido da palavra), sob pena de incorrer em responsabilidade penal objetiva (o que não é aceito no ordenamento jurídico brasileiro).
Desse modo, conforme mandamento do já mencionado artigo, o Magistrado terá duas alternativas, conforme o caso:
Remessa do processo para a Defensoria Pública:
A instituição “Defensoria Pública” está alicerçada no art. 136 da CF/88 e é regulada pela Lei Complementar 80/94, que versa sobre a Defensoria Pública da União e, de forma subsidiária, as Defensorias Públicas Estaduais (que também devem possuir sua própria Lei Complementar Estadual).
A Defensoria possui sua devida autonomia e será responsável pela promoção e defesa dos hipossuficientes e necessitados “de forma integral e gratuita” (art. 136 da CF e art. 1º da LC 80/94), nos limites de sua atuação institucional.
Portanto, ante a inércia do réu em constituir advogado, o juiz fará com que os autos sejam remetidos a Defensoria para que o Defensor Público responsável adote as medidas que entender como cabíveis.
Obs.: Os prazos para a Defensoria Pública são contados em dobro (art. 41, inciso I, da LC 80/94).
Assim, a Defensoria Pública será o órgão responsável para promover a defesa técnica dos réus que, eventualmente, deixem de constituir advogado.
Destaque-se, também, que o próprio réu pode procurar a Defensoria Pública e requerer atendimento antes do escoamento do prazo (ou no curso do processo, nada impede).
Aqui deixamos nossos votos de admiração e estima pelo trabalho, mais do que essencial, exercido pela Defensoria Pública. Acreditamos que a Defensoria Pública é a instituição mais democrática e que melhor acolhe o público, atualmente.
Nomeação de advogado dativo – art. 263 do CPP:
Infelizmente, a Defensoria Pública encontra várias limitações, sobretudo no que diz respeito a inexistência de Defensorias Públicas suficientes, principalmente em cidades interioranas.
Considerando essa realidade, ou seja, a insuficiência de Defensores Públicos, é mais do que comum que ocorra a nomeação de causídicos (advogados) como dativos.
Assim, caso o réu não apresente resposta à acusação, ser-lhe-á nomeado defensor dativo. Inclusive, se o réu comparecer na secretaria (cartório) e declarar que não pode pagar advogado, o Juiz poderá nomear, desde logo, defensor dativo.
Qualquer advogado poderá ser nomeado e não poderá recusar o encargo, exceto se arguir motivo relevante (art. 264 do CPP), caso deixe de fazê-lo, poderá incorrer em multa.
E se o réu comparecer a audiência sem advogado?
Não é incomum que o advogado deixe de atuar em dado processo judicial, seja porque o próprio cliente o dispensou ou por falta de pagamento, por exemplo (podem ser “n” motivos). Desse modo, pode acontecer de o réu comparecer em audiência sem advogado, mesmo tendo constituído um causídico antes.
Nessa situação, havendo disponibilidade de Defensor Público, este deverá atuar. De forma subsidiária, o juíz nomeará defensor dativo, que pode ser apenas para aquele ato (§ 2º, do art. 265 do CPP) ou para o restante do processo (art. 263 do CPP).
Ausência de defesa técnica – súmula 523 do STF:
Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal possui firme entendimento no sentido que a inexistência (ausência) de defesa técnica acarretará em nulidade absoluta. Porém existindo defesa técnica, porém deficiênte, será caso de nulidade relativa (deve o réu demonstrar o prejuízo).
Ou seja, deverá demonstrar que apesar de ter sido realizada defesa técnica, esta foi deficiente e, além disso, a insuficiência acarretou em prejuízo. Exemplo: não pode o réu reclamar de defesa insuficiente e requerer a nulidade do julgado se este foi absolvido.
Vejamos o verbete da súmula 523 do STF:
“No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.”
Portanto, a inexistência de defesa acarretará em nulidade absoluta, seja apenas do ato ou de eventual condenação.
Exemplo: réu que foi processo, julgado e condenado em processo sem defesa técnica, será hipótese de nulidade de todo o processo, devendo que este retorne para a fase de resposta à acusação.
Exemplo 2: réu que deixa de constituir advogado para apresentar defesa e sem que lhe seja nomeado advogado dativo ou Defensor Público.
Em audiência, o juiz observou a ausência de resposta à acusação e a inexistência de defesa técnica. Nesse caso, o juiz deverá anular o ato e remeter os autos para a Defensoria Pública (ou providenciar a nomeação de advogado dativo) para fins de promoção da defesa e demais atos do processo.
Por outro lado, a deficiência da defesa, embora existente, será de nulidade relativa e competirá a parte demonstrar a ocorrência de eventual prejuízo. O dano deve ser alegado na primeira oportunidade, sob pena de preclusão.
Cada caso deve ser analisado com o devido cuidado para que se evite generalizações. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ, entende que é “imprescindível” que se verifique a ocorrência de efetivo prejuízo na nulidade de natureza relativa (AgRg no RHC 114.658/GO, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 08/09/2020, DJe 14/09/2020).
Exemplo: no caso concreto, o STJ entendeu que a intempestividade de recurso não caracteriza nulidade absoluta, mas sim relativa, na medida que vigora a ideia de voluntariedade do recursos. E mais, ainda conforme com o STJ, a própria ausência de recurso não se pode comparar a ausência de defesa técnica (AgRg no HC 560.522/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 03/03/2020, DJe 16/03/2020).
Em síntese:
Ninguém pode ser processo e julgado sem que lhe seja garantido o direito de defesa e, caso o réu não tenha condições de pagar advogado, ou mesmo se deixar de constituir advogado por qualquer outro motivo, seu processo será remetido para a Defensoria Pública ou ser-lhe-á nomeado advogado dativo.
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