1 – O interrogatório do réu deve ser o derradeiro ato em sede de instrução, caso contrário poderá acarretar em nulidade:
Nos últimos anos a interpretação acerca da necessidade ou não de o interrogatório do réu ser o ou não o derradeiro ato da instrução processual.
Para a atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ e Supremo Tribunal Federal – STF, o ato de interrogatório, ou melhor, o “interrogatório do réu deve constituir derradeiro ato em sede de instrução”, conforme art. 400 do Código de Processo Penal – CPP, e sua inobservância prescinde de demonstração de prejuízo
2 – Entendendo a problemática: ordem do art. 400 do CPP como regra.
Inicialmente, destacamos que o texto do art. 400 do CPP versa sobre o procedimento de oitiva da vítima, réu, perítos e réu. Conforme art. 400 do CPP:
“Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.”
Portanto, em audiência de instrução processual penal, a ordem de oitiva deve ser, necessariamente, a seguinte:
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Vítima (ofendido)
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Testemunhas de acusação e depois de defesa (nessa ordem, via de regra)
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Peritos (se for o caso)
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Acareações
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Reconhecimento de pessoas e coisas
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E, por último, oitiva do réu.
3 – Inversão da ordem do interrogatório: é necessário demonstrar prejuízo caso a ordem do art. 400 do CPP seja invertida?
Tema um pouco mais complexo do que parece, que se sobrepõe a mera modificação de entendimento. Há farta jurisprudência que converge sob a lógica de que a inversão do interrogatório deve ser imediatamente questionada pelo causídico, caso contrário poderá ensejar em preclusão. E mais, é necessário demonstrar o prejuízo para fins de reconhecimento da nulidade (STJ. HC 446.528/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Rel. p/ Acórdão Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 11/09/2018, DJe 20/09/2018).
Portanto, no entender da decisão supra, se mostra necessário que se faça a arguição em momento adequado e que se aponte eventual prejuízo.
O julgado acima é de 2018, porém é possível encontrar decisões recentes no mesmo sentido, como esta: ➝ STJ. AgRg no REsp 1617950/MG, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 03/11/2020, DJe 17/11/2020.
4 – Mas se o interrogatório deve, necessariamente, ser o ato final da instrução e ocorrendo a inversão, se mostra desnecessária a demonstração de prejuízo? Pois é, eis a problemática.
Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça – STJ modificou paradigmas e proferiu decisão afirmando que:
“É desnecessária a comprovação de prejuízo para o reconhecimento da nulidade decorrente da não observância do rito previsto no art. 400 do Código de Processo Penal, o qual determina que o interrogatório do acusado seja o último ato a ser realizado (STJ. REsp 1.808.389-AM, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por maioria, julgado em 20/10/2020, DJe 23/11/2020).”
Percebe-se, que há diferença de poucos dias entre os dois últimos julgados destacados aqui, inclusive ambos são oriundos da mesma turma.
Conforme posição jurisprudência supra (o mais recente), o interrogatório do réu, necessariamente, deve ser a derradeira diligência da fase instrutória, conforme art. 400 do CPP e, para além disso, existindo inversão indevida, é desnecessária a demonstração de prejuízo. E mais, tal tipo de nulidade não precluiu, ainda conforme REsp 1.808.389-AM.
Assim, ouvida a vítima (se houver), testemunhas de acusação e defesa, peritos, acareações e feito o reconhecimento de pessoas ou coisa (quando for o caso) é que, somente após, realizar-se-á a oitiva do defendente e, existindo inversão, caberá alegação de nulidade, sendo prescindível a efetiva demonstração de prejuízo por parte da defesa, não se podendo, também, falar em preclusão.
Portanto, com base no entendimento exarado no REsp 1.808.389-AM, caso ocorra a inversão indevida, será hipótese de prejuízo cuja a demonstração de sua ocorrência é desnecessária, não se aplicando, ainda, os efeitos da preclusão caso a defesa não alegue de imediato a ocorrência.
Perceber-se, desse modo, que o julgado ora mencionado modificou sobremaneira o tema, razão pela qual merece o devido destaque, além de ter sido veiculada no informativo 683, do STJ.
5 – Para a jurisprudência, o mandamento do art. 400 do CPP também será aplicável aos procedimentos de natureza especial:
O art. 400 do CPP já estabelece como regra que o interrogatório defendente deve, conforme lei, ser o derradeiro ato da fase instrutória. Porém, em determinados procedimentos de natureza especial, a oitiva do acusado é o ato inicial da instrução. Nesse caso, o que prevalece?
Em procedimentos especiais, como o do art. 57 da Lei 11.343/06, o interrogatório (oitiva) defendente deve, como regra, ser o ato inicial da instrução. A partir dai surgiu outra controvérsia acerca do tema, isto é, se a norma do art. 400 do CPP seria aplicável a outros procedimentos, inclusive aos procedimentos de natureza especial.
Ante tal imbróglio, o STJ ao julgar o REsp 1.808.389-AM destacou a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal – STF na apreciação do Habeas Corpus de nº 127900/AM (STF. Plenário. HC 127900/AM, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 3/3/2016. Informativo 816).
“[…] Ordem denegada, com a fixação da seguinte orientação: a norma inscrita no art. 400 do Código de Processo Penal comum aplica-se, a partir da publicação da ata do presente julgamento, aos processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a todos os procedimentos penais regidos por legislação especial incidindo somente naquelas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado. (HC 127900, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 03/03/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-161 DIVULG 02-08-2016 PUBLIC 03-08-2016 RTJ VOL-00237-01 PP-00137)”
Portanto, conforme orientação supra, a inteligência do art. 400 do CPP incindirá: nos “processos penais militares, aos processos penais eleitorais e todos os procedimentos” disciplinados através de lei especial, excepcionado as ações cuja a instrução já tenha findado.
Desse modo, a orientação destacada também será aplicável aos crimes de tráfico de drogas (regidos pela Lei 11.343/06 – Lei de Drogas), respeitando os limites da orientação.
A inobservância desta orientação certamente acarretaria em nulidade, restando, contudo, a dúvida se seria uma nulidade relativa ou absoluta. Saliente-se, que no caso de nulidade absoluta se dispensa a imprescindibilidade de demostração de prejuízo real, pois há a presunção de ocorrência deste.
Voltando ao julgado do STJ, o mencionado Tribunal firmou entendimento que é desnecessária a demonstração de prejuízo quando não for observada o mandamento do art. 400 do CPP, que também se estende aos delitos processados sob a égide do procedimento da lei de drogas. Não se aplicando, portanto, a norma do art. 57 da Lei de Drogas.
Para o STJ, a escrita do caput do art. 400 do CPP foi reformulada pela Lei 11.719/08, portanto, posterior da Lei de Drogas.
6 – Interrogatório do réu como meio de prova:
Nos termos da jurisprudência do STF (HC 88548, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 18/03/2008, Dje-182 DIVULG 25-09-2008 PUBLIC 26-09-2008 EMENT VOL-02334-02 PP-00270 RTJ VOL-00208-03 PP-01098), o interrogatório do réu constitui meio de prova e o momento no qual este pode se contrapor a acusação e aos fatos eventualmente suscitados pelas testemunhas.
Não obstante, STJ exarou que se mostra desnecessária o apontamento de prejuízo pela defesa na hipótese de inversão do interrogatório, pois, para o Tribunal Superior, a inobservância do mandado legal do art. 400 do CPP constitui afronta irreparável a princípios como contraditório e ampla defesa.
Assim, sendo o interrogatório invertido, não poderia o acusado se manifestar posteriormente sobre os fatos eventualmente aventados e, como dito já citado, seu interrogatório constitui meio de prova e defesa (STJ. REsp 1825622/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 20/10/2020, DJe 28/10/2020).
Ainda de acordo com o STJ, a nulidade persiste mesmo que o vício não seja reclamado em sede de audiência, não se podendo, desse modo, falar em preclusão (REsp 1825622/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 20/10/2020, DJe 28/10/2020).
7 – Em síntese:
Ocorrendo a indevida inversão da ordem do interrogatório fundada no art. 400 do CPP, será possível a arguição de nulidade, sem que se fale em preclusão, além, do fato que, conforme atual orientação, é prescindível a demonstração de prejuízo, pois este decorre da própria inversão e afronta a direitos mínimos, como contraditório e ampla defesa, sendo tal entendimento aplicável aos procedimentos de natureza especial.
Veja mais em:
Fase de saneamento do processo civil (art. 357 do CPC/15)
Representação processual, conforme art. 75 do CPC
Quais são os crimes hediondos (Lei 8.072/90)?
Petição para informar endereço do réu
Réu não pode pagar advogado? E agora?
Fontes:
STJ:
STF: