1 – Lei ambiental e o crime de maus-tratos aos animais:
A aprovação e sanção presidencial da Lei 14.064/2020 motivou a feitura deste post. O fato é que nos últimos anos a tese de que os animais são seres sencientes vem ganhando cada vez mais força. Isso faz com que o debate sobre maus-tratos aos animais fique cada vez mais em evidência.
Dado o alcance das redes sociais, vez ou outra nos deparamos com vídeos ou fotos de pessoas praticando maus-tratos contra animais, seja machucando ou ferindo das mais diversas formas. Existem alguns casos que simplesmente nos dão asco e raiva naturalmente.
Essas situações, de modo mais do que justificado, infundiram e fizeram despertar na sociedade a sensação de que não existe punição contra as práticas de maus-tratos aos animais, que constituem um claro desrespeito a lei ambiental.
Dito isso, tentaremos responder alguns questionamentos pertinentes, além de abordar as recentes modificações introduzidas pela Lei nº 14.064/20.
2 – Como os animais são vistos pelo ordenamento jurídico brasileiro:
Inicialmente, devemos salientar que os animais não são titulares de direitos.
Atualmente, os animais são vistos pelo nosso ordenamento jurídico como “coisas”, não sendo, portanto, titulares de direitos.
Não obstante, existe um projeto de lei que objetiva mudar essa percepção sobre os animais. Trata-se do projeto de Lei 6799/2013, que visa dar aos animais natureza jurídica “sui generis”, inclusive podendo obter tutela jurisdicional (art. 3º, do PL 6799/2013).
Desse modo, toda legislação que tutela a proteção aos animais o faz de modo indireto.
Exemplo: a Lei 9605/98 tem como objetivo a proteção ao meio ambiente, com fulcro no direito fundamental a um meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, da Constituição Federal 1988 – CF/88).
3 – Art. 32, da Lei 9605/98 e os maus-tratos contra animais:
Feitos os devidos esclarecimentos, podemos adentrar no cerne da Lei 9605/98 que estabelece um rol de crimes contra o meio ambiente ou mesmo medidas administrativas.
Dentre os crimes previstos na Lei nº 9605/98, temos o art. 32, que possui a seguinte redação:
“Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.”
Conforme artigo supra, aquele que “praticar abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos” incorrerá em no crime do art. 32, com possibilidade de sanção de até um ano e multa.
Sobre o tipo penal supra, a crítica que exsurge diz respeito a “ínfima pena” cominada para quem viesse a incorrer no tipo penal ora mencionado (em nossa opinião, nenhuma sanção de caráter penal é ínfima).
Conforme quantum máximo da pena do art. 32, da Lei 9605/98, é possível a realização de transação penal ou mesmo suspensão condicional do processo, ambos institutos previstos na Lei nº 9.099/95, sendo necessário, ainda, a reparação pelo dano ambiental (art. 27, da Lei 9605/98) no caso de transação.
Isso passava a ideia de impunidade, sobretudo para aqueles que praticavam maus-tratos mais acentuados contra os animais, praticando de atrocidades indescritíveis como atropelamentos intencionais ou mesmo lesões com facas, fogo, pedras e outros objetos.
O art. 32 da Lei 9605/98 tem como pena máxima a detenção de até um ano, porém a Lei 14.064/2020 modificou o mencionado artigo para aumentar as penas em determinados casos, como veremos a seguir.
4 – Lei de proteção aos animais, Lei 14.064/2020, experiência dolorosa ou cruel, causa de aumento de pena:
A Lei 9605/98 ou se preferir a lei de proteção aos animais, estabelece algumas situações que podem ser chamadas de crimes contra o meio ambiente.
Nesse ínterim, o art. 32 da referida lei está inserido dentro da seção I, que versa sobre os crimes contra a fauna.
No mencionado artigo temos basicamente 03 (três) situações, sendo elas:
I – situação do caput “abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”: prevendo pena de detenção de três meses a um ano, e multa.
De fato, ante a crueldade de alguns casos, a pena máxima de um ano se mostraria insuficiente para garantir a repressão de tais crimes. O que, de certo modo, justificaria a necessidade de aumento da pena.
II – Hipótese do § 1º – quem pratica: “experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos”: a pena será a mesma do caput do art. 32.
III – quando se tratar de cão ou gato (§ 1º-A, do art. 32 – introduzido pela Lei 14.064/2020): quando o “ofendido” for cão ou gato, a pena partirá de 02 (dois) anos de reclusão, podendo chegar até 05 (cinco) anos, além de multa e proibição de guarda. Essa foi a novidade introduzida pela lei mencionada acima.
4.1 – Causa de aumento de pena do § 2º, do art. 32, da Lei 9605/98:
Em qualquer das hipóteses do art. 32, havendo morte do animal, será aplicada causa de aumento de pena entre um sexto e um terço.
Assim, caso alguém incorra na prática do art. 32, caput, e tendo a pena-base fixada em 03 (três) meses, não concorrendo causas atenuantes ou agravantes, na terceira fase da dosimetria será aplicada a causa de aumento pena (de um sexto a um terço). Nesse exemplo, a pena poderá chegar até 4 meses (conforme exemplo).
Portanto, o resultado morte aumentará a pena fixada nas duas primeiras fases da dosimetria da pena.
5 – Proporcionalidade das penas após a Lei 14.064/2020:
Com o novo § 1º-A, do art. 32, da Lei 9605/98, que foi inserido pela Lei 14.064/2020, em se tratando cão e gato, as penas foram drasticamente majoradas, prevendo a possibilidade de até 05 (cinco) anos de reclusão, além da possibilidade de incidência da causa de aumento de pena pelo resultado morte do animal.
Percebe-se, portanto, um potencial enorme do quantum da pena. O que pode ensejar, no caso concreto, uma exasperação desnecessária da pena.
Claro que a intenção de toda a sociedade é reprimir condutas cruéis e maus-tratos em face de cães e gatos (são os mais comuns nos lares), porém o magistrado deve exercer um juízo de proporcionalidade cirúrgico para evitar arbitrariedades.
Entendemos como necessário o aumento de pena em casos mais graves, porém, considerando os bens jurídicos envolvidos, talvez fosse mais adequado a utilização de penas alternativas a restrição de liberdade.
Apenas para ilustrar, saímos do máximo de 01 (um) ano para o mínimo de 02 (dois) anos, o que nos parece um aumento desproporcional.
A luz de um juízo de proporcionalidade, poderia o legislador ter optando (nos casos de cães e gatos), pela pena mínima de 01 (um) ano e máxima de 03 (três) anos, sendo mantida a causa de aumento de pena do § 2º, do art. 32, da Lei 9605/98.
O fato é que se trata de uma legislação “popular”, o que faz com que, de certo modo, limite as críticas sobre eventual desproporcionalidade da medida.
Veja, qualquer conduta que seja considerada maus-tratos contra os animais, a mínima que seja, ensejará uma pena de 02 (dois) anos, no mínimo, além de multa e proibição de guarda.
Desse modo, pode ser que no caso concreto qualquer conduta danosa, mesmo que mínima, importará em enorme restrição da liberdade.
Nos parece que aqui existe uma grande possibilidade de desproporcionalidade.
Punir, e punir severamente, apenas para fins de satisfazer uma pretensão pessoal a título de se ver “a justiça acontecer”, não significa justiça.
Entendemos que, no caso concreto, poderia ter sido dado ao Magistrado a possibilidade de aplicação apenas de multa (considerando o caso concreto). Por outro lado entendemos que a pena de proibição de guarda foi bastante acertada.
Você pode gostar de ler também:
Modelo de pedido de transferência de preso
Direito Penal: desistência voluntária, arrependimento eficaz e arrependimento posterior
Como identificar o assédio moral no trabalho
Modelo de pedido de penhora do salário na execução de alimentos – CPC/15