1 – O instituto do crime impossível – art. 17 do CP
Logo no início da graduação o graduando escuta a expressão “crime impossível”.
A previsão legal para a constatação do crime impossível pode ser encontrada no art. 17 do Código Penal (CP).
A compreensão da concepção de crime impossível se faz importante, principalmente, para que, na situação concreta, se identifique sua ocorrência ou não.
Conforme se extrai do art. 17 do CP, depreende-se como impossível a prática de crime que:
“Art. 17 – Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”
Nestes termos, conforme se extrai artigo transcrito acima, devemos depreender como delito impossível aquele em que o indivíduo faz uso de “meio” que carece de eficácia (relativa ou absoluta), ou seja, é dizer, portanto, que o meio goza de “INEFICÁCIA ABSOLUTA”. Isto é, inapto e incapaz e produzir efeitos e danos ao bem jurídico.
A segunda possibilidade de ocorrência de crime impossível se perfaz quando ocorrer o emprego ou utilização de objeto cujas as propriedades para aperfeiçoar o ilícito são inidôneas e incapazes de alcançar o fim pretendido, melhor, incapazes de oferecer risco ou mesmo a possibilidade de afronta ao bem ora tutelado.
2 – Requisitos para reconhecimento do crime impossível: impropriedade absoluta do objeto ou ineficácia absoluta do meio
Portanto, para fins de que se verifique a ocorrência do denominado instituto do “crime impossível”, devem estar presentes:
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Crime tentado = obviamente o crime deve ser tentado, conforme art. 14, parágrafo único, do CP (leia nosso post sobre o crime tentado)
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Absoluta impropriedade do objeto = ocorrerá na hipótese de o objeto do ilícito carecer das características essenciais e necessárias para fazer como que o delito se aperfeiçoe na situação concreta. Exemplo: Droga do tipo cocaína que na verdade é açúcar.
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Ineficácia absoluta do meio = aqui, são os meios utilizados que são ineficazes. Devem ser absolutamente ineficazes para que incida o art. 17 do CP. Exemplo: arma absolutamente incapaz de efetuar disparos.
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3 – Em síntese, é possível a punição do denominado crime impossível?
De modo simples e direto, NÃO.
Conforme, art. 17, do Código Penal, podemos afirmar que sempre que a conduta, ou seja, uma ação delitiva, esbarre na impropriedade absoluta do objeto ou mesmo quando for o caso de ineficácia absoluta dos meios empregados, o crime não se materializará, isto é, não se consumar, e estaremos diante de um crime impossível.
Exemplo: Determinado indivíduo, transportava 1Kg de uma substância que acreditava ser droga. Foi abordado pela polícia. Existia dolo na conduta.
Porém verificou-se que se tratava de açúcar. Pergunta-se: existiu crime de tráfico de drogas na modalidade “transportar”? Não existiu, pois será o caso de crime impossível, na medida que, com base nos elementos do exemplo acima, estaremos diante de “impropriedade absoluta do objeto” do ilícito.
Exemplo 2: Após uma discussão de bar, um determinado indivíduo, que estava alcoolizado, se dirigiu até um amigo e solicitou uma arma para matar seu desafeto. O amigo, por pura zoeira, entregou uma pistola de água.
De posse do brinquedo, o ébrio foi até o desafeto, com intenção clara e inconteste de matar, porém, ao disparar, somente saiu um ínfimo jato de água. Não precisa sequer perguntar se existiu crime na conduta. Trata-se, portanto, de crime impossível. No caso, será pela absoluta ineficácia do meio ora utilizado.
Rogério Greco (2013, p. 286) sustenta que o nosso Código Penal adotou o que se convencionou denominar de “teoria objetiva temperada”.
Conforme dispõe a referida teoria, presentes a ineficácia (isto é, a incapacidade) ABSOLUTA dos meios e/ou em função da impropriedade (também ABSOLUTA) do objeto, não será viável, ou melhor, permitida a punição da tentativa.
Observe que a lei fala em ABSOLUTA. Portanto, caso se trate de causa RELATIVA, será, no caso em tela, possível a sanção em face da tentativa.
4 – Exemplo: arma de fogo que não possui condições para disparar atrairá a incidência do crime impossível
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. INEFICÁCIA DA ARMA ATESTADA POR LAUDO PERICIAL. AUSÊNCIA DE POTENCIALIDADE LESIVA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ABSOLVIÇÃO.
1. A Terceira Seção deste Tribunal Superior possui entendimento pacífico de que o tipo penal de posse ou porte ilegal de arma de fogo cuida de delito de perigo abstrato, sendo irrelevante a demonstração de seu efetivo caráter ofensivo.
2. In casu, contudo, como ficou demonstrada, por laudo pericial, a total ineficácia da arma de fogo (inapta a disparar), deve ser reconhecida a atipicidade da conduta perpetrada, diante da caracterização de crime impossível dada a absoluta ineficácia do meio.
[…].
(AgRg no REsp 1394230/SE, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 23/10/2018, DJe 09/11/2018)”
Assim, nos termos da jurisprudência do STJ, a arma de fogo que, através de laudo pericial, se mostra inapta/incapaz de efetuar disparos, constitui fato atípico, incidindo, portanto, a figura do crime impossível.
A incapacidade deve ser absoluta. Assim, incidindo a ineficácia relativa, não estaremos diante de um crime impossível, porém de um delito tentado ou mesmo consumado.
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Bibliografia:
GRECO, Rogério. CURSO DE DIREITO PENAL / Rogério Greco. – 15. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2013.