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Captação clandestina de sinal de TV não constitui furto

Captação clandestina de sinal de TV

1 – Captação clandestina de sinal de TV através do chamado “Gato Net” (ou seria “gatonet”?) constitui crime?

Com o aumento da oferta de canais por assinatura, uma conduta escusa passou a ser amplamente difundida, inclusive, é considerada por muitos como “correta”. Trata-se da “captação clandestina de sinal de TV por assinatura”.

Os meios para a captação desse tipo de sinal se dão, geralmente, através de antenas e um aparelho decodificador (geralmente, mas talvez existam outros meios mais elaborados).

A nomenclatura dada para tal prática e o que se denomina de “gato net (ou seria “gatonet”?!). Enfim, a conduta consiste, basicamente, em captar os sinais de rádio (ou outro tipo de onda, mas geralmente é rádio) sem ter que pagar pelo uso.

Então, pergunta-se: “a captação clandestina de sinal de TV constitui crime?” Se sim, qual?

 

2 – Controvérsia sobre a ilicitude do “gato net”

O “gato net” (ou “gatonet”) é a nomenclatura dada a prática de captar sinal de TV (a cabo) por assinatura sem que se pague pelo serviço. O termo “gato net” provavelmente foi cuinhado em analogia ao “gato de energia”.

Desse modo, como “gato de energia” constitui crime de furto de energia, alguns passaram a sustentar que a captação clandestina de sinal de TV também constituiria furto de energia nos moldes do § 3 º, do art. 155 do CP.

Inúmeras denúncias foram efetivamente apresentas nesse sentido, inclusive condenações já foram proferidas entendendo pela ocorrência de furto de energia.1 Do mesmo modo, o número de recursos questionando a adequação típica dada a matéria também surgiram de modo exponencial.

O que fez, portanto, surgir a controvérsia no sentido de se verificar se a captação clandestina de sinal de TV constituiria o crime de furto de energia, que encontra amparodo no art. 155, § 3º, do CP.

 

3 – Furto de energia (art. 155, § 3º, do CP), art. 183 da Lei 9.472/97 ou art. 35 da Lei 8.977/95?

Ante tal discussão, os inconformados pela condenação por furto de energia questionavam através de recurso se, de fato, a ação de captar sinal de TV por assinatura constituiria o delito de furto de energia.

Como já citado acima, existem decisões que entendem que sim, que são condutas que se enquadram na figura típica do crime de furto de energia. Porém, nunca foi um assunto pacífico, sendo, na verdade, bastante controverso.

Há quem sustente que a captação clandestina de sinal de TV constitui o delito do art. 35 da Lei 8.977/95 (que não possui pena definida) ou mesmo a conduta do art. 183 da Lei 9.472/97. Vejamos:

Art. 155 do Código Penal:

Art. 155 – Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

[…]

§ 3º – Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.”

 

Art. 183 da Lei 9.472/97:

Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação:

Pena – detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, direta ou indiretamente, concorrer para o crime.”

Art. 35 da Lei 8.977/95:

Art. 35. Constitui ilícito penal a interceptação ou a recepção não autorizada dos sinais de TV a Cabo.”

4 – Mas afinal, a captação clandestina de sinal de TV constitui crime? Se sim, qual?

Tal questão já foi tema de debate no tanto no Superior Tribunal de Justiça (STJ) como no Supremo Tribunal Federal (STF) e ambos os tribunais já se manifestaram acerca do tema, conforme veremos a seguir.

 

4.1 – Conforme STJ, a captação clandestina de sinal de TV não se subsume a figura típica do furto de energia:

A captação clandestina de sinal de TV pode ocorrer de algumas formas, porém a mais comum é com a utilização de um aparelho decodificador destinado a esse fim. Sobre a captação clandestina de sinal de TV, o STJ entendeu que esta conduta não se enquadra na figura típica do § 3º, do art. 155 do CP. Vejamos:

A Sexta Turma desta Corte Superior, no julgamento do Recurso Especial n. 1.838.056/RJ, de minha Relatoria, em sintonia com precedente do Supremo Tribunal Federal, entendeu que a captação clandestina de sinal de televisão por assinatura não pode ser equiparada ao furto de energia elétrica, tipificado no art. 155, § 3.º, do Código Penal, pela vedação à analogia in malam partem. (STJ. CC 173.968/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09/12/2020, DJe 18/12/2020)”

Portanto, conforme o mais recente entendimento do STJ, a captação de sinal clandestino de TV por assinatura não constitui o crime do § 3º, do art. 155 do CP, ou seja, não pode ser interpretado como furto de energia.

 

Mas a conduta transcrita pode ser enquadrada em algum tipo penal específico, como o do art. 35 da Lei 8.977/95 (que não possui pena definida) ou mesmo a conduta do art. 183 da Lei 9.472/97?

E a resposta é: DEPENDE.

Conforme a situação concreta, a conduta poderá ser aquela do art. 183 da Lei 9.472/97 ou a do art. 35 da Lei 8.977/95

5 – Venda de aparelhos clandestinos que servem para desbloqueio de sinal de TV por assinatura:

Ainda conforme entendimento esposado pelo STJ, a “venda de aparelhos para desbloqueio clandestino de sinal de televisão por assinatura, configura, em tese, o crime do art. 183, parágrafo único, da Lei n.º 9.472/1997” – (STJ. CC 173.968/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09/12/2020, DJe 18/12/2020).

Sendo esse o caso, a competência para o processamento e julgamento da ação ilícita de venda de produtos clandestinos para a recepção indevida de sinal de TV será da Justiça Federal, na medida que institui crime contra as telecomunicações, conforme entendimento do STJ. Vejamos:

[..] Havendo, em tese, a prática de crime contra as telecomunicações, tipificado na Lei n. 9.472/1997, está configurada a competência da Justiça Federal, por haver lesão a serviço da União, nos termos do art. 21, inciso XII, alínea a, c.c. o art. 109, inciso IV, da Constituição da República. […] (STJ. CC 173.968/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09/12/2020, DJe 18/12/2020).

 

Portanto, embora a recepção feita de modo clandestino (ilegítimo, ilícito, de modo furtivo e etc..) de sinal de TV não possa ser equiparada ao ilícito de furto de energia, a venda de aparelhos para tal fim podem constituir o crime do art. 183 da Lei 9.472/97, mais especificamente, no nosso entender, no parágrafo único do referido artigo, que aduz “Incorre na mesma pena quem, direta ou indiretamente, concorrer para o crime”.

Do mesmo modo, que quem transmite, de forma ilícita, conteúdo de canal fechado, também incorre, em tese, na mesma figura típica, porém na forma do caput do art. 183 da Lei 9.472/97.

6 – Mas e quem compra o aparelho para obter a captação clandestina de sinal de TV, incorre em algum tipo penal?

Imagine que determinado indivíduo compra um aparelho capaz de captar o sinal, de forma ilícita, de TV por assinatura, praticando o chamado “gato net”. Vimos que a captação de sinal de TV não se enquadra (se subsume) na figura do furto de energia e, pelo exposto acima, também não se enquadra na conduta do art. 183 da Lei 9.472/97, pois não há transmissão, mas a recepção.

6.1 – Então, existe uma figura típica que se amolde a receptação clandestina de sinal de TV?

O STF, ainda no ano de 2011, decidiu que a recepção feita de modo ilícito de sinal de TV constitui o ilícito descrito no art. 35 da Lei 8.977/95 (que versa sobre serviços de TV a cabo), porém o tipo penal mencionado não traz uma pena, logo, não há sentido na persecução penal.

HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. A LEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE RECURSAL DO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. INTERCEPTAÇÃO OU RECEPTAÇÃO NÃO AUTORIZADA DE SINAL DE TV A CABO. FURTO DE ENERGIA (ART. 155, § 3 º, DO CÓDIGO PENAL). ADEQUAÇÃO TÍPICA NÃO EVIDENCIADA. CONDUTA TÍPICA PREVISTA NO ART. 35 DA L EI 8.977/95. INEXISTÊNCIA DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. A PLICAÇÃO DE ANALOGIA IN MALAM PARTEM PARA COMPLEMENTAR A NORMA. INADMISSIBILIDADE. OBEDIÊNCIA A O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ESTRITA LEGALIDADE PENAL. PRECEDENTES.

[…] O sinal de TV a cabo não é energia, e assim, não pode ser objeto material do delito previsto no art. 155, § 3º, do Código Penal. Daí a impossibilidade de se equiparar o desvio de sinal de TV a cabo ao delito descrito no referido dispositivo. Ademais, na esfera penal não se admite a aplicação da analogia para suprir lacunas, de modo a se criar penalidade não mencionada na lei (analogia in malam partem), sob pena de violação ao princípio constitucional da estrita legalidade. Precedentes. Ordem concedida.

(STF. HC 97261, Relator(a): JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 12/04/2011, DJe-081 DIVULG 02-05-2011 PUBLIC 03-05-2011 EMENT VOL-02513-01 PP-00029 RTJ VOL-00219-01 PP-00423 RT v. 100, n. 909, 2011, p. 409-415).”

 

Portanto, sendo aconduta aquela do art. 35 da Lei 8.977/95, estaremos diante de um tipo penal sem uma sanção definida, não podendo que o julgador se utilize do preceito definido no § 3º, do art. 155 do CP para condenar o infrator, sob pena de incorrer em analogia in malam partem.

Por fim, para saber se determinada conduta é do art. 183 da Lei 9.472/97 ou do art. 35 da Lei 8.977/95, deve ser observado o dolo do agente, a figura do art. 183 exige “dolo de transmissão”2

7 – Em síntese…

A captação clandestina de sinal de TV não constitui crime de furto, podendo, contudo, que a transmissão de sinal de forma indevida possa acarretar na figura típica do art. 183 da Lei 9.472/97.

A captação clandestina, contudo, pode se adequar a figura descrita no art. 35 da Lei 8.977/95, porém, ante a ausência de qualquer sanção penal no delito mencionado, a persecução penal se torna inócua.

Por fim, embora a captação clandestina de sinal de TV não seja de interesse do processo penal (conforme a situação concreta), outros efeitos podem subsistir, tais como a reparação civil por eventual dano sofrido.

 

Não obstante, o fato é que a nossa legislação está bastante atrasada no que diz respeito a apuração e punição de delitos relacionados a captação e transmissão de conteúdo de TV por assinatura.

Eventualmente, novos tipos penais devem surgir para reparar as lacunas, sobretudo nos casos de envolvendo serviços de streaming.

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Habeas Corpus – art. 5º, inciso LXVIII, da CF/88

Confissão espontânea – art. 65, inciso III, “d”, do CP

1 (REsp 1123747/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 16/12/2010, DJe 01/02/2011).

2 (STJ. AgRg no CC 128.801/RJ, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/05/2015, DJe 18/05/2015).

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