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Práticas abusivas, conforme art. 39 do CDC

práticas abusivas - art. 39 do CDC

O CDC e as chamadas “práticas abusivas”

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) traz em seu art. 39 do CDC uma lista de condutas que, se verificadas, constituíram as assim conhecidas como “práticas abusivas”.

Não é novidade que o CDC tem como intento equilibrar as relações consumeristas, interpretando a legislação em prol do consumidor (veja o conceito de consumidor aqui), inclusive com chances concretas de inversão do ônus da prova, por exemplo (inciso VIII, do art. 6º do CDC).

Além disso, uma das premissas básicas do CDC é a proteção do consumidor, que é a parte mais suscetível (influenciável) da relação.

O dever de proteção está expressamente previsto do CDC (inciso IV, do art. 6º). Dentro do contexto de proteção, extrai-se a proibição da prática de condutas abusivas.

 

1. Mas o que são as denominadas “práticas abusivas” (art. 39 do CDC)?

De início, devemos destacar que não se pode confundir “práticas comerciais” com práticas abusivas.

A primeira é um rol de condutas/ações reconhecidas pelo CDC (capítulo V) como “prática comercial”, enfim, como uma “classe” de situações que se vistas com um “todo”, constituem as práticas comerciais (exemplo: oferta, cobrança de dívidas e práticas abusivas).

De outro modo, e como já deve ter ficado subtendido, as práticas abusivas são espécie, portanto, das práticas comerciais elencadas no capítulo V, do CDC.

As práticas abusivas Consistem em ações que são frontalmente opostas aos desígnios e fundamentos do CDC, como, a título de exemplo, o direito a informação plena.

Desse modo, quando se fala em prática abusiva, é dizer que condutas contrárias as normas consumeristas são práticas abusivas e devem ser rechaçadas e punidas na forma da legislação consumerista.

1.1 O rol do art. 39 do CDC é exemplificativo:

 

Para facilitar a compreensão acerca do que seria conduta do tipo abusiva, o art. 39 do CDC elenca uma rol de situações que, se verificadas no caso concreto, constituirão “prática abusiva”.

Saliente-se, que o índice (a listagem) do art. 39 do CDC não é fechado, mas exemplificativo, o que significa dizer que outras situações fora do rol do mencionado artigo também poderão constituir prática abusiva.

Por essa razão é sempre importante estar atento ao entendimento dos Tribunais Superiores no que diz respeito ao tema.

2. Sobre as práticas consideradas abusivas, conforme CDC – em espécie:

Abaixo faremos breves comentários sobre as práticas ora descristas no art. 39 do CDC.

Lembrando, outra vez, que estamos lidando com um rol exemplificativo, apenas. Inicialmente, vejamos a redação do art. 39 do CDC.

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

II – recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;

III – enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;

IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

VI – executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes;

VII – repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos;

VIII – colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro);

IX – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais; (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

X – elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços. (Incluído pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

XI – Dispositivo incluído pela MPV nº 1.890-67, de 22.10.1999, transformado em inciso XIII, quando da conversão na Lei nº 9.870, de 23.11.1999

XII – deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério. (Incluído pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

XIII – aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido. (Incluído pela Lei nº 9.870, de 23.11.1999)

XIV – permitir o ingresso em estabelecimentos comerciais ou de serviços de um número maior de consumidores que o fixado pela autoridade administrativa como máximo. Incluído pela Lei nº 13.425, de 2017)

Parágrafo único. Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento.”

 

Conforme se percebe, o art. 39 do CDC elenca 09 (nove) situações que são tidas como práticas abusivas. Vejamos:

2.1 – Venda casada – inciso I, do art. 39 do CDC:

Talvez a hipótese do inciso I, do art. 39 do CDC, seja a situação mais conhecida dos consumidores em geral. Conforme mencionado dispositivo legal, a chamada a denominada “venda casada” é expressamente vedada.

A referida prática abusiva se perfectibiliza pela imposição de aquisição de determinado serviço ou produto a obtenção de outro serviço/produto.

E mais, no mesmo inciso, também é considera como vedada a imposição de “limites” de quantidade, sem justa causa. Atenção, se existir “justa causa” para a imposição de limites aquisitivos, será possível a limitação.

Art. 39 […] I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;”

2.2 – Recusa de atendimento das demandas consumeristas, mesmo havendo disponibilidade (inciso II, do art. 39 do CDC):

Existindo disponibilidade em estoque ou mesmo de oferta de serviço, não permitido ao fornecedor negar-se ao atendimento da demanda.

Não pode, desse modo, o fornecedor de produto/serviço negar-se a vender/fornecer produto/serviço ora demandado se existir estoque ou mesmo disponibilidade.

Art. 39 […] II – recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;”

Observe que a lei manda que se observa os costumes, no caso, os costumes comerciais do local.

2.3 – Enviar ou entregar produto ou serviço não solicitado – (inciso III, do art. 39 do CDC):

 

O CDC entende como conduta considerada abusiva a remessa (envio) ou mesmo execução de produto ou serviço não requerido pelo consumidor.

Um caso muito comum, inclusive gera dano moral, é a remessa de cartão de crédito não requerido. Vejamos a súmula 532, do Superior Tribunal de Justiça – STJ:

Constitui prática comercial abusiva o envio de cartão de crédito sem prévia e expressa solicitação do consumidor, configurando-se ato ilícito indenizável e sujeito à aplicação de multa administrativa. (Súmula 532, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/06/2015, DJe 08/06/2015)”

Portanto, sempre que o fornecedor enviar ou mesmo executar produto ou serviço, sem que tenha sido previamente solicitado, constituíra ilícito consumerista, passível de indenização (conforme ocaso).

O parágrafo único do art. 39, argui que os produtos enviados sem autorização constituirão “amostra grátis”, não podendo que o fornecedor exija seu pagamento. A jurisprudência do STJ converge no mesmo sentido1.

2.4 – Aproveitar-se de ignorância (desconhecimento) do consumidor em razão da de preponderância de questões subjetivas como: saúde, idade ou escassa condição social (inciso IV, do art. 39, do CDC)

De modo presumido, o consumidor é a figura vulnerável (mais frágil) da relação consumerista.

Porém, em algumas situações existem condições agravantes desta vulnerabilidade e, se aproveitando disso, o fornecedor repassa para o usuário o produto e/ou serviço.

2.5 – Quando existir a exigência de vantagem “manifestamente excessiva” (art. 39, inciso V, do CDC):

 

Mesmo na seara cível se exige a existência de uma relação jurídica minimamente equilibrada.

Obviamente, nas relações consumeristas não seria diferente, havendo, contudo, uma interpretação mais favorável ao consumidor e incidência de uma série de direitos em prol da parte mais frágil com objetivo de trazer uma relação mais equilibrada.

Desse modo, nos contratos consumeristas em que se verifique a manifesta lesão em razão de prestação excessivamente onerosa em desfavor do consumidor, restará configurada a prática abusiva presente no inciso V, do art. 39 do CDC.

Nos termos da jurisprudência do STJ, constitui prestação excessivamente onerosa, a alteração unilateral da mensalidade do plano de saúde pela mera alteração da faixa etária, sem que se leve em consideração parâmetros objetivos para alteração, tais como: previsão contratual, índices razoáveis para majoração e definição dos novos valores, utilização de cálculos atuariais e outros, sob pena de acarretar em desequilíbrio da relação contratual e constituir prática abusiva. Vejamos:

“[…] 2. A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de ser idôneo o reajuste de mensalidade de plano de saúde em virtude da mudança de faixa etária do participante, desde que observados alguns parâmetros, tais como a expressa previsão contratual; não serem aplicados índices de reajuste desarrazoados ou aleatórios, a onerar excessivamente o consumidor, em confronto com a equidade e a cláusula geral da boa-fé objetiva e da especial proteção do idoso, e serem respeitadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais (Resolução CONSU nº 6/1998 ou Resolução Normativa nº 3/2001 da ANS e Resolução Normativa nº 63/2003 da ANS). Precedente.

3. A abusividade dos aumentos das mensalidades de plano de saúde por inserção do usuário em nova faixa de risco, sobretudo de participantes idosos, deverá ser aferida em cada caso concreto.

4. Nos termos do art. 51, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, se for reconhecida a abusividade do aumento praticado pela operadora de plano de saúde em virtude da alteração de faixa etária do usuário, para não haver desequilíbrio contratual, faz-se necessária a apuração de percentual adequado e razoável de majoração da mensalidade, o que deverá ser feito por meio de cálculos atuariais na fase de cumprimento de sentença.

[…]

(AgInt no REsp 1809234/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/03/2021, DJe 09/03/2021).”

Cada situação deve ser verificada no caso concreto, mas verifica a ocorrência de prestação excessivamente onerosa, restará configurada prática abusiva.

 

2.6 – Proceder com a realização de serviço sem que tenha sido elaborado orçamento e concordância para tanto (inciso IV, do art. 39, do CDC):

É muito comum, por exemplo, ir até uma oficina e realizar um orçamento. Agora imagine que você levo sei veículo para realizar orçamento para troca e balanceamento dos pneus.

Porém, a oficina procede com o serviço sem elaboração do orçamento e concordância do consumidor.

Nesse caso, a prática será abusiva, ou seja, não permitida pelo CDC. O orçamento deve conter as informações exigidas pelo art. 40 do CDC e terá validade de 10 (dez) dias, contados a partir do recebimento do orçamento. Aprovado o orçamento, este obriga as partes (§ 2º, do art. 40 do CDC).

Apesar disso, o próprio inciso VI, do art. 39 do CDC ressalva a possibilidade prevalência de prática/costume anterior entre as partes.

2.7 – Repassar informação depreciativa sobre o consumidor (inciso VII, do art. 39 do CDC):

É absolutamente vedado que o fornecedor tenha e forneça informações depreciativas acerca do consumidor.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios considerou que ocorreu violação do inciso VII, do art. 39 do CDC em razão da recusa de instituição bancária para abertura de conta-salário em razão da suposta existência débito que não foi comprovado.2

2.8 – Colocar à disposição produto ou serviço em desconformidade com as normas reguladoras (inciso VIII, do art. 39 do CDC):

Conforme se extrai do CDC, a colocação de produto/serviço em desconformidade com as normas reguladoras constituirá prática abusiva (existindo, ainda, a possibilidade de outras sanções cíveis ou penais). Vejamos:

art. 39 […] VIII – colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro);”

 

2.9 – Recusa de venda de bens/prestação de serviço a quem deseja adquiri-los e com pronto pagamento:

Sempre que, havendo disponibilidade de produto/serviço, não pode o fornecedor recusa-se a fornecê-lo a quem se propõe a obtê-los perante o pronto pagamento.

É diferente da hipótese do inciso II do art. 39, pois naquela situação há oferta, porém em quantidades inferiores a solicitadas.

2.10 – elevar o preço de produtos ou serviços sem que haja justa causa para tanto:

O CDC também venda que os fornecedores aumentem seus preços de forma deliberada e parâmetro para tanto.

É necessário muito cuidado, pois quem sabe o preço do produto é o fornecedor. Um produto com custo de aquisição X pode, ao final, representar um custo efetivo de 2X.

O aumento deve ser aferível no caso concreto. Ocorreu bastante no último ano (2020) o aumento absurdo de produtos e insumos medicinais, como foi o caso das luvas de látex, mas isso ocorreu pela demanda que também explodiu.

Apesar disso, alguns se aproveitaram dessa situação para aumentar sobremaneira o preço sem que exista uma justa causa para tanto.

2.11 – Deixar de estipular prazo inicial para início da execução da obrigação:

Como já falamos aqui que o CDC buscar equilibrar as relações consumeristas. Portanto, configura prática abusiva deixar ao livre arbítrio do fornecer o início da execução do serviço ou a seu critério exclusivo de início.

2.12 – Aplicar/utilizar índices de correção/reajuste diversos do que foi contratualmente determinado ou mesmo legalmente definido:

Sempre que o fornecedor lançar mão de índices diversos do que foi contratualmente estabelecido ou mesmo definido legalmente, estaremos ante de uma prática vedada, pois é considerada abusiva.

 

2.13 – Permitir que adentre em estabelecimento comercial número superior ao que é permitido:

A última das ocorrências das práticas abusivas presentes no art. 39 do CDC, é a situação em que se permite que adentre em comércio (casa de shows, boates ou outro semelhante) de número de pessoas maior do que o permitido.

A capacidade total será definida pelo órgão administrativo competente.

3. Penalidades para a prática de condutas consumeristas abusivas

Verificada a ocorrência de quaisquer das práticas elencadas no art. 39 do CDC, será hipótese de aplicação das sanções definidas no art. 56, do CDC (sem prejuízo da aplicações de outras medidas cíveis ou criminais). Vejamos:

Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas:

I – multa;

II – apreensão do produto;

III – inutilização do produto;

IV – cassação do registro do produto junto ao órgão competente;

V – proibição de fabricação do produto;

VI – suspensão de fornecimento de produtos ou serviço;

VII – suspensão temporária de atividade;

VIII – revogação de concessão ou permissão de uso;

IX – cassação de licença do estabelecimento ou de atividade;

X – interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade;

XI – intervenção administrativa;

XII – imposição de contrapropaganda.

Parágrafo único. As sanções previstas neste artigo serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicadas cumulativamente, inclusive por medida cautelar, antecedente ou incidente de procedimento administrativo.”

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Fontes

1 REsp 1232252/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/09/2016, DJe 26/08/2020.

2 Acórdão 890032, 20150310040330ACJ, Relator: ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 25/8/2015, publicado no DJE: 4/9/2015. Pág.: 286.

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