1 – Aborto é crime no Brasil?
O crime de aborto versa sobre um tema bastante complexo e que sempre desperta embates calorosos.
Aqui, porém, abordaremos aspectos técnicos sobre o ato de abordar, elencando os atos e condutas que são proibidas pela lei, hipóteses em que será admissível a feitura do aborto, agente passivo se admite ou não coautoria e outros.
Como já referido acima, quando se fala em aborto no Brasil é possível verificar a presença expressiva de correntes divergentes sobre sua legalidade (ou não).
Porém, nosso intento aqui é de realizar comentários sobre os tipos penais que podem, eventualmente, incidir na hipótese de feitura de aborto.
Inicialmente, devemos apontar que o delito do aborto está presente no rol de condutas, melhor, de crimes contra a vida, possuindo como elemento subjetivo o dolo (ou seja, o agente delitiva deve agir com o intuito de abortar), não havendo que se sustentar, portanto, em tipo penal culposo no caso do aborto.
A competência para julgamento será do “júri popular” – § 1º, do art. 74 do Código de Processo Penal.
Mas afinal, o que é um “aborto”? De modo bastante resumido, aborto pode ser entendido como interrupção prematura da gestação.
Porém, nem todo aborto é crime, pois é possível que ocorra na situação concreta o chamado aborto espontâneo, em que o próprio corpo, por questões biológicas, rejeita o feto (muito comum nas primeiras semanas de gestação).
Também não se pode falar em aborto culposo, pois inexiste previsão legal para tanto e somente se pune a título de culpa aquilo que a lei expressamente prevê.
Então, quais condutas serão consideradas como “crime de aborto”? As condutas tidas como típicas são aquelas dos arts. 124, 125 e 126, do Código Penal.
Vejamos:
2 – Tipificação legal do crime de aborto – art. 124 do CP e seguintes:
Em síntese, a lei penal Brasileira provê 03 (três) espécies de crime de aborto, sendo elas:
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Autoaborto – art. 124 do CP
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Aborto provocado por terceiro sem a autorização da gestante – art. 125 do CP
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Aborto provocado por terceiro com a permissão da gestante – art. 126 do CP
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2.1 Tipos de crimes de aborto previstos no Código Penal, em espécie:
2.1.1 Autoaborto – art. 124 do CP:
O aborto de que trata o art. 124 do CP, aduz que a própria gestante lança mão de meios para provocar aborto ou consente que lhe provoquem o aborto.
Vejamos a redação do art. 124, do Código Penal:
“Art. 124 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: (Vide ADPF 54)
Pena – detenção, de um a três anos.”
A pena previsa é do tipo “detenção”, com a reprimenda legal mínima de 01 (um) ano e máxima de 03 (três) anos.
Podemos inferir que o legislador indicou uma pena relativamente baixa para o delito amparado no art. 124 do CP.
No mais, não se deve confundir o autoaborto com a figura típica do infanticídio, são coisas distintas, sendo este último perpetrado “durante ou logo após o parto” (art. 123 do CP). O aborto é anterior ao momento do parto.
No crime do art. 124 do CP, é um tipo penal que o doutrinador Rogério Sanches Cunha (2021, p. 115) entende como sendo “crime próprio”, pois é uma tipo penal que somente pode recair sob a gestante.
2.1.2 – Aborto com o consentimento da gestante – art. 125 do CP
Quanto a figura do art. 125 do CP, esta versa sobre o crime de aborto praticado por terceiro sem o consentimento da gestante. Vejamos o texto legal do art. 125 do CP:
“Art. 125 – Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena – reclusão, de três a dez anos.”
Para a conduta do art. 125 do CP, o legislador determinou uma reprimenda mínima de 03 (três) e podendo atingir o patamar de 10 (dez) anos, do tipo “reclusão”.
O fator preponderante aqui será a incidência do elemento “sem o consentimento” da gestante.
Se ocorrer sem permissão, o crime será o do art. 126 do CP.
O agente que incorrerá nas iras do art. 125 do CP será aquele que realizar ou administrar as medidas para provocar o aborto.
Exemplo: marido que não deseja ter o filho e coloca na comida da esposa substância que sabe ser capaz de provocar o aborto.
2.1.3 – Aborto com o consentimento da gestante – art. 126 do CP:
Inicialmente, vejamos o texto do art. 126 do CP:
“Art. 126 – Provocar aborto com o consentimento da gestante: (Vide ADPF 54)
Pena – reclusão, de um a quatro anos.
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência”
Particularmente, acreditamos que o texto do art. 126 do CP deveria ser o do art. 125 do mesmo diploma legal e vive e versa, por questões de “progressão da gravidade”.
Se levarmos em consideração apenas o quantitativo da pena, o crime do art. 126 do CP é mais leve do que o artigo que o antecede.
A cominação legal mínima será de 01 (um) ano e máxima poderá chegar a 04 (quatro) anos, do tipo “reclusão”.
Porém, devemos alertar que o parágrafo único do art. 126 do CP alerta para a admissibilidade de aplicação das penas do artigo precedente (art. 125 do CP), caso a gestante seja menor de 14 (quatorze) anos “ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência”.
3 – Aborto qualificado pelo resultado – art. 127 do CP
Conforme art. 127 do CP:
“Art. 127 – As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.”
De imediato, devemos destacar que sendo causa majorante da reprimenda esta incidirá na terceira fase da dosimetria da pena.
No mais, ela somente se aplica aos tipos penais descritos nos arts. 125 e 126, do CP.
Assim, se do procedimento abortivo a gestante sofrer “lesão corporal de natureza grave”, a pena será majorada em 1/3 (um terço).
Se ocorrer o resultado morte, a sanção penal será DUPLICADA.
Portanto, no delito de aborto provocado “sem o consentimento da gestante” com resultado morte, a pena poderá chegar a 20 (vinte) anos.
Hipóteses em que abortar não será crime – aborto legal
O Código Penal prevê duas situações em que não se punirá o aborto. Trata-se nas ocorrências descritas no art. 128 do CP, qual seja, o aborto legal que compreende o “aborto necessário” e o “aborto sentimental” (CUNHA, 2021, p. 122-123). Vejamos:
“Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico: (Vide ADPF 54)
Aborto necessário
I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.”
Portanto, a feitura de aborto como a única maneira de “salvar a vida da gestante” (inciso I, do art. 128 do CP) e o aborto quando a gestação for proveniente de estupro. Nesta última hipótese é necessário a autorização da gestante ou daquele(a) que é seu representante legal.
Aborto de feto anencéfalo – posição do STF
O Supremo Tribunal Federal – STF, entende que o aborto de feto anencéfalo não poder ser considerado crime. Vejamos:
“ESTADO – LAICIDADE. O Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões. Considerações. FETO ANENCÉFALO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – MULHER – LIBERDADE SEXUAL E REPRODUTIVA – SAÚDE – DIGNIDADE – AUTODETERMINAÇÃO – DIREITOS FUNDAMENTAIS – CRIME – INEXISTÊNCIA. Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal.
(ADPF 54, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 12/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 29-04-2013 PUBLIC 30-04-2013 RTJ VOL-00226-01 PP-00011)”
Veja a decisão completa AQUI:
Veja mais posts em:
Defesa prévia de tráfico de drogas – art. 55, Lei 11.343/06
Induzir ou instigar alguém a suicidar-se – art. 122 do CP
Hipóteses de absolvição sumária – art. 397 do CPP
Hipóteses de rejeição da denúncia ou queixa – art. 395 CPP
Confissão no direito penal e processual penal
Bibliografia:
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte especial (arts. 121º ao 361)/ Rogério Sanches Cunha. – 13. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: JusPODVM, 2021.